testing a new face for the old blog. tried other platforms, but no other seemed good enough.

December 28, 2004

[praise darkness...]

[praise darkness...]

Devagar, o sol, eterna luz do dia, esconde-se por detrás da longínqua linha do mar sem fim, por entre as negras nuvens que em tão remota distância se começam a formar. Os céus de cristal azul alteram-se, um prisma de cores radiantes banha agora a esfera celeste, desvanecendo-se a radiância na escuridão que do céu começa a tomar conta a Este.

Uma brisa fria sopra subitamente de Oeste, do horizonte de luz em declínio, da escuridão anunciada. Não se ouve mas sente-se, o avanço inexorável da Noite, em passinhos suaves como veludo. Sonhos desvanecem-se na queda da aurora, o silêncio apenas cortado pelo som constante da rebentação contra os rochedos ancestrais toma conta do cenário, envolve-me suavemente como num traiçoeiro abraço.

Escurece. Não ainda, que o brilho do dia ainda respira por ora. Mas já inevitáveis são as trevas.

Vem, doce Noite. Aniquila a luz da ilusão, embala-me ao som do teu silêncio, leva-me contigo para lugar nenhum...

(fotografia por "Freyja")

December 24, 2004

[Sofia (uma rapariga como outra qualquer) II]

[Sofia (uma rapariga como outra qualquer) II]

"Passeio solitária pelas ruas desta cidade, por efémeros mas longos dias convertida, por efeito dos inúmeros motivos de forma e natureza diversa, se bem que com objectivo similar, que decoram todo o espaço, em tremendo pinheiro de Natal. Está frio, sinto-o entrar em mim por todos os sítios por onde pode - e até, para minha surpresa, por alguns por onde supostamente não deveria conseguir - e instalar-se junto da minha pele, desconfortavelmente. Sinto um húmido arrepio atravessar-se a espinha de uma ponta à outra, enterro as mãos nuas bem fundo nos bolsos do casaco. Não, não é psicológico, o frio. Pelo contrário: é real, bem real, demasiado real. Não há consolo, afastamento, alheamento mental que lhe valham. Pelo menos quando se deambula pelas ruas, não tão agasalhada como talvez devesse, em vésperas do solstício de Inverno...

Cânticos de Natal ouvem-se aqui e além, invadem-me a mente fria. Conheço-os; recordo-os das vezes incontáveis que os ouvi na televisão, na rádio, na música ambiente de algum elevador. Mas não são estes que me ocorrem; são, sim, aqueles que em criança aprendi na Igreja, as melodias alegres e ritmadas que louvavam o nascimento de um menino, desprovido de qualquer riqueza. Observo na montra rodeada de luzes coloridas de uma loja um presépio, paro por instantes a olhar para o pequeno cenário da Galileia aqui, nesta montra: a cabana de colmo, os montes de palha aqui e além; o burro e a vaca, seus habitantes de sempre, perto daqueles que a eles se acolheram numa qualquer noite fria - José e Maria -, pois que os seus os desprezaram, ajoelhados perante uma manjedoura de madeira irregular onde jaz, alheio ao cenário, no desconhecimento talvez do seu inescapável destino que para sempre mudaria o curso da História, um menino recém-nascido, de nome Jesus, a quem os profetas e sibilas, nas suas visões evanescentes, atribuíram a redenção dos homens; junto da cabana, como que a aproximar-se, um grupo de pastores; atrás, mais longe, ainda perante uma longa jornada, três reis magos que de terras distantes saíram para louvar Aquele que anunciará a Boa Nova, e para a ele ofertarem prendas dignas de monarcas; no topo da cabana, qual sinal de júbilo celestial, uma estrela repousa, adivinhando-se o coro de anjos entoando coros fantásticos em seu redor. Sorrio, triste. Como chegou o mundo a este ponto? Isto que aqui tenho diante os meus olhos, isto que está representado do outro lado desta lisa superfície de vidro é o Natal, o verdadeiro Natal - o nascimento do Salvador. Nele repousa, qual tesouro há muito esquecido pelos homens pelos quais nasceu há mais de dois mil anos, o verdadeiro espírito de Natal. Que tem ele a ver com o velho bonacheirão, de barbas e bigode de neve, vestido de rubro vermelho, que distribui prendas pelo mundo inteiro, atravessando os céus num trenó alegadamente mágico puxado por renas? Que tem o Natal a ver com o consumismo desenfreado, batuta invisível mas incontornável que pauta o ritmo da sociedade de hoje? Ó avó, que saudade das tuas prendas dadas, com um sorriso nos teus lábios, dizendo que era pelo Menino Jesus... pois que dele era, de facto, a noite da consoada; porque cruelmente lha tiraram...? Nos tempos modernos, como se explica a uma criança que, afinal, o Pai Natal não existe, e que, afinal são os seus pais e familiares que lhe dão os presentes? Que sabias tu disso, avó? Nada, nem precisavas. Deus existia, tinhas a certeza dele. Todos a tinham. O resto, seriam histórias, fantasias, devaneios para entreter a imaginação, que a felicidade deles não precisava para o que quer que fosse.

Retomo a marcha, enfrentando o frio da rua, ainda com a imagem do presépio na mente. Não me identifico com o catolicismo, pelo menos não mais. Considero-me cristã, se bem que não praticante, não por teima, mas por opção, por filosofia, se assim se quiser considerar. A minha mente é demasiado livre, incapaz de se prender a um qualquer ponto do imenso vazio que a rodeia. E entendo a fé é algo que se sente cá dentro, não como algo que se mostra lá fora; que sentido fazem, então, os rituais? Para quê deixar-me levar numa desfilada de encenações quando tudo aquilo que verdadeiramente conta está dentro de mim? Terei porventura menos fé do que uma daquelas senhoras - beatas, como pejorativamente se costuma dizer - que rezam de manhã, à tarde e à noite, vão à missa a cada domingo e dia santo, seguem o terço e tudo mais? Serei descrente por não fazer tudo isso? Sei que existes, Deus, que deves existir algures, mas isso é algo que não sei explicar, e que já desisti de tentar. Descobri-lo-ei um dia - descobrir-te-ei um dia - para o bem ou para o mal, não importa. Ainda assim, entristece-me pensar que a Humanidade foi capaz de deturpar o Natal a este ponto. A sua essência original perdeu-se, diluiu-se no meio da massa inerte, resiste nos corações daqueles poucos que recordam ainda a história do nascimento de Jesus. Mas estes poucos não se vêem na turba inconstante, na multidão que nesta época invade os centros comerciais, compra avidamente prendas para toda a gente, bombardeia amigos, conhecidos, e, até, no caso de alguns com menos decência - ou talvez não -, inimigos com mensagens de natal por telemóvel, cumprimenta meio mundo com um estupidificante sorriso de alegria forjado no rosto quase à martelada, ou longamente ensaiado para a ocasião festiva... qual ocasião festiva?

Às vezes penso que o erro deve ser mesmo meu. Porque haveria eu de estar certa e meio mundo errado? Afinal, eu é que sou a outsider, a fora do mundo... a verdade é que o Natal pouco ou nada me diz. Imagino que seja triste dizer uma coisa destas numa época destas, mas é verdade. Desconheço quase por completo a tradição de juntar a família na consoada para um jantar, uma vez que a minha estrutura familiar para além do meu núcleo foi, é e será sempre incapaz de tal - ao menos não a posso acusar de hipocrisia, tenho de o admitir. Época de paz, de amor, de reconciliação, diz toda a gente em toda a parte. Essa era uma parte da mensagem original. Mas era apenas o princípio. O Natal é só um dia! Um dia de inigualável pureza, irremediavelmente convertido à hipocrisia e ao cinismo pelo culto pagão da modernidade e do eterno consumo... Porque sorriem as pessoas agora, quando andam trombudas durante os restantes trezentos e sessenta e quatro (ou cinco) dias do ano? Porque se juntam agora, se nos outros dias não foram capazes sequer de trocar um singelo telefonema, uma carta com duas palavras que fossem? Porque se deve amar agora, quando tudo à nossa volta no restante tempo nos ensina a odiar? Época de paz? O meu espírito está em guerra, agora, mais do que nunca. Porque haveria ele de me dar tréguas neste momento?"

(João Campos (Fallen Angel), Sofia, excerto do capítulo 2)

December 19, 2004

[time...]

[time...]

... uma pequena cobra que espreita por entre as irregulares pedras da fonte, dançando embalada pelo mágico som da água em mansa queda, ao ritmo da fria brisa que de parte incerta sopra, suave, como um sussuro... a luz cristalina do entardecer que por entre as persistentes nuvens abre caminho, cedendo tranquilamente, por mais uma volta do ciclo eterno, o lugar ao crepúsculo, à escuridão que nunce verdadeiramente nos envolve... confidências sérias, riso, um compromisso futuro que não se afigurará tão distante talvez, palavras trocadas no silêncio que nos envolve em sonho, o passado ancestral esculpido em pedra a cada esquina, o verde natural sempre presente, o inconstante bulício humano que se desvanece... há muito que me esquecera da sensação; e, apesar de nunca ter lá estado antes, senti-me em casa, como se tudo aquilo que contemplava ou concebia como existente para além da escassa visão que as fragas de tons esverdeados do fofo musgo me permitiam fosse meu, nosso, só nosso... não senti Tempo, não senti dor, não senti mágoa... Apenas um imenso apaziguamento interior, uma sensação de leveza de espírito, de evanescência... tudo se dissolve neste final de tarde infinitamente doce, onde tudo e nada importa, onde a descoberta do mundo e de nós se tornam numa caixinha de supresas... Contemplo a luz a declinar no horizonte, ouço o renascer dos sons da noite que chega, a passinhos mansos para nos não perturbar, e é como se sentisse o Futuro a aproximar-se, velado no surpreendente sabor que me dás a provar... um Futuro onde a luz pode nascer, onde concebo acreditar na sua presença, na sua radiante aura...

Um momento perfeito...

December 16, 2004

[Sofia]

(Hoje não irei fazer reflexões metafóricas, divagações, devaneios (ou não?). Deixo-vos um excerto escrito por mim, de uma ideia que já cá andava há algum tempo, e que comecei a materializar. Estes são os primeiros parágrafos? espero que gostem...)

[Sofia]


"Não sei porque parece incomodar tanto as pessoas a solidão, o silêncio. Há anos que penso nisto, e nunca consegui chegar a nenhuma conclusão que à minha compreensão se afigure como minimamente válida. Será por a sucessão dos dias no inexorável decurso do tempo ter, ou aparentar ter, um ritmo absolutamente vertiginoso? Há algo de estranho em tudo isto. Vivo num mundo de multidão em inerte movimento, inconstante, indiferente a si mesmo e à sua própria existência. Não há consciência, não há interacção no seio da massa. Nela, estamos todos juntos, mas todos invariavelmente sozinhos; qual é a diferença, então, que faz toda a gente olhar para mim com uma expressão que reflecte uma pluralidade de sentimentos, que oscilam entre os desprezo, a pena, a estranheza, quando me sento só, na mesa de um qualquer canto do bar da escola, a fumar um cigarro e a desvanecer a minha imaginação no ténue fumo que a baforadas regulares sai da sua ponta incandescente?

Não correspondo ao padrão, bem o sei. Devo, aos olhos do mundo em permanente agitação irreflectida, sem rumo ou destino, assemelhar-me a uma proscrita, talvez. Não está longe da verdade; desde cedo que me habituei a estar sozinha, a conviver comigo na minha solidão, na minha imaginação. Nada de intencional, de premeditado; proporcionou-se assim, simplesmente. Não tendo uma família na tradicional significação do termo - que é como quem diz, um grupo de parentes unidos, sempre presentes ainda que distantes, que se juntam nas festas, convivem, preocupam-se -, tive de aprender a lidar com isto em criança.

Sempre fui introvertida por natureza; e esta propensão do meu espírito acabou por, ao longo dos anos, me afastar do mundo de brincadeira e camaradagem dos meus colega de escola. Não por não simpatizar com eles, bem pelo contrário. Simplesmente era bem mais fácil para mim perder-me nos meus devaneios, fitando o recreio com um olhar exterior vazio que na sua essência contemplava uma vastidão de mundos fantásticos que mal conseguia conceber. Não conseguia dar o primeiro passo para me aproximar de alguém, meter conversa, brincar, rir. E, entre crianças, quem procura puxar para si alguém que está fora porque quer - ou porque não quer -, ainda que isso não corresponda bem à realidade? Não se pode exigir isso de crianças em idade escolar, num ciclo tão singular do desenvolvimento. E, quando se entra na adolescência, a situação evolui. Para pior. Se em criança não me identificava com as brincadeiras de bola e outras mais ou menos agressivas dos rapazes, nem com o mundo elementar das brincadeiras de bonecas das raparigas - que, diga-se de passagem, consistem em formar famílias, criar pseudo-relações à imagem dos papás e das mamãs, ter filhotes, uma casinha engraçada; a coisa, diga-se de passagem, não vai muito mais além - também agora, que sou adolescente, não me identifico com os temas de conversa que permitem a integração num grupo e que me abririam as portas ao mundo da companhia, do convívio - em suma, do mundo não solitário. Tudo me parece tão sem importância, tão... fútil? Não sou melhor nem pior do que ninguém; serei, quanto muito diferente. Mas desde quando ser diferente tem forçosamente de ser mau?"

(...)

(Joao Campos, Sofia)

December 14, 2004

[burned into oblivion - the freedom of the daybreak]

[burned into oblivion - the freedom of the daybreak]



E eis que vi. Simplesmente. Vi aquilo que só então percebi que não queria ver, que jamais quisera ver, mas que estava ali, reluzente como mercúrio.

Ingenuamente julguei que pudesse ser visão, alucinação, devaneio inconstante de uma mente febril; acaso de súbita loucura de uma imaginação já de si débil, errática, quase destrutiva, no limiar da insanidade. Fechei os olhos, voltei as costas, recuei. Hesitei, disperso, confuso, fragmentado. Abri por fim os olhos, inspirei fundo, como se no frio ar da noite existissem algumas moléculas errantes de coragem que me insuflassem de força, e olhei novamente.

Nada mudou. Ainda ali estava, exactamente no mesmo lugar, mas agora com uma expressão marcadamente trocista, imponente padrão da vitória que marca a minha derradeira derrota. Não consegui desviar o olhar. Tempo e Espaço desvaneceram-se, perdi-me no impetuoso turbilhão de imagens em cadeia que subitamente assalta o meu espírito, domina os meus pensamentos, tolda os meus sentidos. Espectros - ilusórios, talvez? - que conscientemente aceitei mas que no inconsciente veementemente recusei, e cuja existência temi mais do que tudo. Meu Deus, como me enganei..! Quero fugir, desaparecer, tornar-me etéreo com a brisa da noite e nos seus braços gélidos voar, voar para longe, até ao infinito, até lugar nenhum... até um lugar sem trevas nem luz, onde o nada que sou se funda com o nada que é em si, e que dessa fusão seja criado nada... ou, num toque de amarga ironia do Destino, que brote espontaneamente alguma coisa... mas é tarde de mais, é tarde de mais...

Não há retorno. Solidão, minha eterna escolha, companheira última entre as quatro paredes inertes desta cela vazia onde entrei. Hesitei, por instantes, trespassou-me a mente a ideia de desistir de tudo, de suplicar, de me entregar à morte, no momento último antes de a pesada porta de ferro se fechar e de inevitavelmente me mergulhar no vazio caótico do espelho da minha própria dor.

"A aurora chegará", sussurra uma voz, nem sei bem vinda de onde... é meiga, doce, como nos poucos sonhos puros que ainda me restam... és tu? Que queres dizer? Esperança? Ou um fim inevitável? Devo entregar-me, render-me a esta força que me esmaga sem me tocar? Ou antes devo estoicamente resistir, aguentar..?

Aguentei. Por ti, na esperança que as palavras fossem tuas. Agora espero a tua aurora.

December 10, 2004

[storm inside and out - thoughts in chaos I]

[storm inside and out - thoughts in chaos I]


Sento-me à janela deste quarto soturno e relembro. Imagens difusas de tempos passados e futuros, cenários evanescentes que não sei se efectivamente vi. Cai a noite, nuvens de tempestade cobrem o horizonte, relâmpagos fulgurantes iluminam as trevas que o crepúsculo instala. Vejo-as, contemplo-as desta distância que decerto alcançarão. Não as temo. Sinto-me confortável no meio do caos exterior, do turbilhão que se inexoravelmente se aproxima, ameaçando a minha instalada melancolia.

Uma sucessão de intermitentes perguntas ocupa momentaneamente a minha mente, violentas como a tempestade longínqua que o meu olhar vazio fita. Não respondo, pois que há muito que as suas respostas se me escapam como areia entre os dedos quando nos meus tempos de criança a tentava suster. Exercício fútil, tão fútil como os pensamentos suicidas que me abalam. Que a morte defina a vida... mas que não a oriente, que não a governe. Jamais entenderei os devaneios da minha imaginação, mesmo os que qualquer um designaria de positivos, que há muito se evadiram dela. Não me entendo a mim; como poderei, então, almejar entender os outros..?

Estou sozinho mas não estranho. Não mais, que a ela já me acostumei há muito. Sabe-lo bem. Ainda assim, atreves-te a violar a minha melancolia solitária, atravessas as trevas do quarto, sentas-te a meu lado. Nada dizes, fitas a tempestade com um olhar nostálgico. Vejo os teus olhos azuis perderem-se nela, deixo-me embalar pelo ondular suave dos teus negros cabelos lisos ao vento frio da noite. Leio na tua expressão doce a minha dor, sinto na tua alma ardente a minha melancolia. Como tudo está tão errado, meu Deus..! Devaneios que não fazem sentido, recordações persistentes que se impõem e de seguida desaparecem, resoluções que tanto custam e que logo são anuladas... sinto-me tornar-me etéreo, desvanecer-me na brisa, envolver-me no centro em erupção da tempestade. Não estou aqui, estou em parte nenhuma. Perdido, encontrado, algures, onde? Não o sei, não o sabes, ainda que o soubesses... vejo-me em ti, não te vejo em mim, pois que nem eu me vejo mais em mim...

Recordo quem fui, quem sou. Reconstruo-me de novo a partir de fragmentos, como se estivesse a caminhar em cima de cadáveres do passado. Não sei o caminho que se esconde para além da tempestade. Não sei o caminho que se esconde para além do indigo dos teus radiantes olhos. Não sei...

... qual o sentido de tudo isto? É real, ao menos..?

December 04, 2004

[the last run, the last stand, the last fight - for there are somethings that simply cannot be changed]

[the last run, the last stand, the last fight - for there are somethings that simply cannot be changed]


Gotas frias caem dos céus nublados, batem-me no rosto. Ignoro-as. Continuo a andar, indiferente à chuva, ao frio, à escuridão cortada pela pálida lua que espreita por entre as nuvens opacas no limiar do horizonte.

Encontro-a, por fim, num lago imenso. Imóvel, contempla os céus de amena tempestade com um olhar vazio, uma expressão etérea, tão etérea como ela própria. Está diferente. Perdeu a sombra - talvez por estar num mundo de sombras? Ó seu olhar tornou-se sonhador, distinto do que antes conheci mas igualmente belo. Não se apercebe da minha presença, ou pelo menos finge não se aperceber.

"Parece que desta vez sou eu que interrompo a tua solidão."

Ela sorri vagamente, sem se virar para mim. "Não propriamente. Esperava que aparecesses, mais cedo ou mais tarde."

Aproximo-me dela, fico ao seu lado. Contemplo a distante lua. Por segundos, ambos nos quedamos imóveis, silenciosos. O vento sopra, suave, frio, como um suspiro.

"Ajuda-me", digo-lhe, por fim.

"Estás perdido, não é?", pergunta-me ela, olhando para mim. Sei que ela sabe exactamente o que se passa comigo, apesar de não fazer a mais pequena ideia como. "Pensaste, fugiste, enganaste-te... e agora cais em ti, olhas para trás e percebes tudo. Olhas para a frente... e não percebes nada."

Rio-me amargamente. "Precisamente..."

"O que vês tu, quando olhas para trás?"

"Vejo uma perda tremenda. Silêncio. Um silêncio onde nada foi dito, mas devia."

"E quando olhas para a frente..?"

Não respondo.

Num gesto suave, ela estende a mão para o meu peito e segura o cristal incandescente. "Não vês nada quando olhas para a frente porque não há lá nada para veres. Mas tu sabes o que podes ver, assim como o que não poderás ver. Já deste o passo mais importante, que foi assumires isso para ti."

"E como sabes tu isso?", pergunto-lhe quase instantaneamente.

"Se assim não fosse", responde ela, com um sorriso, "não estarias aqui, agora."

Desvio o olhar, volto a fitar a lua, angustiado perante a revelação de mim mesmo nos seus lábios sensuais, na sua voz doce. Não percebo como.

"Há coisas que simplesmente não podem ser mudadas", continua ela. "Não importa se lutamos contra elas ou se fugimos delas para o mais longe possível... elas permanecem, ainda que nas sombras, até que voltam a emergir. Por mais que as queiramos recusar."

"Então e que posso eu fazer?"

"A escolha é tua, como sempre o foi, talvez. Podes fazer o que quiseres."

"Não será tarde demais?"

"Só o saberás se tentares."

"E será que devo?"

"Segue o teu coração, planeswalker. Ele estará certo. E lembra-te da tua própria filosofia: é melhor te arrependeres de algo que fizeste... o Futuro te dirá se a tua escolha foi a acertada. O mesmo Futuro que te atormentará com um eterno 'e se..?' no caso de optares ignorar tudo isso que tens aí... nesse cristal."

Seguro o cristal rubro, fixo o olhar nele por momentos. Sorrio. Tantas perguntas que estão sem resposta... tanta coisa que não consigo ver... mas que não conseguirei ver jamais se não me atrever a dar um passo em frente.

Olho para a lua. Chega, penso para mim. Não posso continuar neste caminho que não me levará a lugar nenhum. Um rumo define-se agora, neste momento. Sem pensar. Apenas a fazer o que a anjo me disse... seguir o coração.

"Obrigado", digo-lhe.

"Não agradeças", responde ela, dando-me a mão. "Vai. Não olhes para trás. Não mais. Acredita em ti... e luta."

Olho para ela a derradeira vez. Permanece um enigma para mim. Mas um enigma que sei que surgirá sempre que eu precisar. No fundo... no fundo sei quem ela é, e porque me ajuda. Mas não importa.

Há coisas que não podem ser mudadas, disse ela. Que esta seja uma delas, penso, desvanecendo o meu corpo deste mundo sombrio e voltando ao caos do espaço entre mundos, em busca de algo que não mais estou disposto a perder.

December 03, 2004

[A persistência da memória...]

[A persistência da memória...]


... contra a vontade, contra o desejo ardente de simplesmente esquecer, de erradicar da mente um sentimento que me consome, que me lentamente me destrói, que me impede de prossegur... por quê e para quê, se nada mais existe aqui, onde me encontro, perdido, saído da voragem impiedosa da tempestade da vida..?

(Quadro de Salvador Dalí, "A Persistência da Memória")

December 01, 2004

[Sorrow as devastation gives place to oblivion - somewhere I belong... far from memories...]

[Sorrow as devastation gives place to oblivion - somewhere I belong... far from memories...]



"Entre por essa porta agora
E diga que me adora
Você tem meia hora
P'ra mudar a minha vida
Vem vambora
Que o que você demora
É o que o tempo leva

Ainda tem o seu perfume pela casa
Ainda tem você na sala
Porque meu coração dispara
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Dentro da noite veloz

Ainda tem o seu perfume pela casa
Ainda tem você na sala
Porque meu coração dispara
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Na cinza das horas"

Ouço o eco desta música pelo caos, nas profundezas recônditas da minha mente. Jamais terei alguma certeza sobre o seu verdadeiro significado naquele momento... mas lamento. Lamento ter ignorado aquela voz triste... lamento-o agora, que a destruição se aproxima deste campo de batalha já de si abandonado e devastado. De que me serve pensar nisso quando tudo é reduzido a nada? Mais um mundo perdido... sinto-te arder no meu peito, mágoa sentida ainda presente no interior do rubro cristal. Estaremos condenados a ser julgados por única acção... mas pior do que isso, bem pior, é pagar o preço dessa acção quando não temos meios para o fazer, sequer para inventar.

E tu, anjo negro, fantasma das minhas horas de solidão, onde estás, agora que de ti preciso...?

(música de Adriana Calcanhotto)

November 25, 2004

[the scream behind the mirror - a soul given to the god of time in the altar of sacrifice]

[the scream behind the mirror - a soul given to the god of time in the altar of sacrifice]


"Olá, planeswalker".

Aqui? Que raios faz alguém neste ermo? Volto-me. Vejo-a. Ela sorri-me.

"És verdadeira?", pergunto bruscamente, mal olhando para as suas volumptuosas formas sombrias, as suas asas de plumagens negras, o seu olhar atrevido e sensual.

"Depende do que consideras verdadeiro. Depois do que tudo aquilo que já experienciaste, ainda acreditas na verdade enquanto conceito absoluto?"

Não respondo. Continuo a fitar o mar sem fim que à minha frente se estende até ao infinito em todo o seu esplendor de azul profundo desta falésia povoada de fantasmas. Fantasmas que vejo sem sentir, que sinto sem ver, que não sei se me vêem, sequer se me sentem. Nada aqui é real.

Talvez nem eu.

Aproxima-se de mim e senta-se ao meu lado, os seus pés, como os meus, balouçando na escarpa de rocha ancestral. Por momentos ficamos os dois imóveis, em silêncio, aspirando o ar de liberdade que me oprime, e que parece oprimi-la a ela também.

"Qual é a sensação?", pergunta ela, quebrando o silêncio que se instalara.

"Que sensação?"

"De te sentires vazio."

Olho para ela, surpreendido. Não, outra vez, não.

"E que sabes tu sobre isso?"
"Não sei. Sinto."

Boa resposta, penso. "É... estranho. Não é como se me tivessem arrancado um bocado... é mais do que isso. Não dói, mas é como se doesse. Não te sei explicar. É estranho."

Ela sorri, cúmplice, como se partilhasse as minhas emoções. Então repara no pequeno cristal incandescente que trago pendurado ao pescoço.

"E isso, que é?", pergunta, apontando para ele.

"Um mundo", respondo, quase automaticamente. "Um mundo que criei com alguém e que com alguém destruí. O que resta dele está aqui."

"E não será isso que te falta para não te sentires vazio?"

Sorrio com a pergunta. "Não. Isto", digo, segurando no cristal e olhando para ele, "não me pertence. Pertence a alguém. Não me perguntes a quem, que não te saberei responder. Simplesmente sei que a tenho de encontrar. Ou ela a mim."

"E sabes onde procurar?"

Olho para o mar infinito, sonhador, esquecendo por momentos os fantasmas que vagueiam naquele ermo esquecido. "Não interessa quando. Tempo. Estou nas mãos dele. Estamos nas mãos dele. Tudo o resto... simplesmente não interessa."

Viro-me para ela, encaro-a. É-me familiar, o seu belo rosto de anjo negro, se bem que ao mesmo tempo completamente desconhecido. "Quem és?"

Ela levanta-se, ficando suspensa à beira do precipício. "No fundo, Anjo Caído... não somos assim tão diferentes quanto julgas. Sabes que já me viste antes, mas não sabes onde. Nem quando. Saberás... espero. Não és o único a estar nas mãos do deus do tempo. Eu também me sacrifiquei a ele."

Sorri-me uma última vez, antes de tornar o seu atraente corpo etéreo e se desvanecer para o vazio, para o infinito entre mundos.

November 23, 2004

[a world's end - from the ashes]

[a world's end - from the ashes]



"Creation is the work of a lifetime. Destruction... is the work of a second..."

Um segundo... que é um segundo? Nada... Num segundo nada se faz, nada se cria. Mas tudo se destrói. Não podemos criar uma vida num segundo. Mas um escasso segundo é mais do que suficiente para pôr fim a uma. Num segundo, nenhum deus consegue criar um mundo. Mas no mesmo segundo consegue reduzi-lo a cinzas.

Um segundo... um segundo será todo o tempo de que preciso.

Seguro na mão um pequeno e negro cristal de obsidiana, reflectindo na sua superfície escura o brilho do fogo devastador que consome este mundo abandonado. Contemplo-o do alto, pairando no ar, destruído, devastado. A imensa força criadora que iluminou a sua concepção tornou-se em energia destrutiva. Prolongar a sua agonia será prolongar a minha. Não o poderei permitir. Reconstruí-lo... teria sido possível, talvez. Mas agora é tarde demais. É sempre tarde demais. Anarkaris disse uma vez que alguns sonhos grandiosos têm de morrer, para que outros, mais grandiosos ainda, possam nascer. É para isso que aqui estou.

E um segundo será suficiente.

Olho em volta, sinto a dor deste mundo pulsar dentro de mim como se fosse minha. Recordo o seu esplendor de outrora, quando o criámos juntos... recordo as auroras de sonho que aqui presenciei, a felicidade que cada uma delas me trazia, o amor que as criava só para nós... recordo a queda abrupta da noite, as negras nuvens de tempestade que cobriram os céus de azul infinito... recordo a mágoa das tuas palavras em sufoco, a desilusão, a queda das crenças, as batalhas perdidas, a fuga desesperada. A dor. Sinto esta amálgama de sentimentos e memórias pulsar com violência dentro de mim, fluir furiosamente nas minhas veias, queimando-me, ferindo-me, transformando-se em energia incontrolável... que se espande dentro de mim até eu não a conseguir mais conter...

Não a sustenho mais. Fecho os olhos, aperto a pequena pedra de obsidiana, liberto esta enegria avassaladora e num segundo este mundo em queda é obliterado pelo poder devastador deste impulso. Num segundo de luz ardente, tudo é reduzido a cinzas, todos os fantasmas de um passado perdido volatizam-se, mergulho no turbilhão do espaço entre universos.

Abro os olhos. Estou no meu mundo, no alto da torre de Nitramneadh. Sinto-me vazio por dentro, frio como como a neve que cai suavemente, embalada pela brisa da noite. Só a minha mão sinto quente. Abro-a, vejo a pequena pedra de obsidiana brilhar como se tivesse fogo dentro dela. Sorrio. Toda a essência daquele mundo para sempre perdido aqui, na palma da minha mão, brilhando ardentemente ao ritmo compassado da minha batida de coração. Está tudo aqui, penso. A chave da minha ascensão, a essência de um mundo novo que que criarei - contigo? - um dia. Algures num futuro sem tempo, pelo qual lutarei a partir daqui.

"From here, let my world to be reborn."

November 22, 2004

[shifting dreams in a parallel universe - the same world, the same characters, the same past, a different story]

[shifting dreams in a parallel universe - the same world, the same characters, the same past, a different story]

Uma vasta cidade envolve-me subitamente. É-me familiar a sua imagem, se bem que dentro de mim a sinta diferente, de alguma forma. Não voltava aqui havia muito tempo; no entanto, este espaço agitado e ainda assim melancólico fez parte de mim, do meu mundo, durante uma parte significativa da minha existência.

Caminho ao acaso pelas ruas parcamente iluminadas, envolto num sem-número de ruídos silenciosos de algum outro lugar que não este. Lentamente, um ténue nevoeiro dissolve os contornos das formas. Evoco este espaço na minha memória, revejo-me nele, se bem que todo ele se afigure diferente aos meus olhos neste momento. E porquê..?

Cruzo a rua, dou comigo no limiar de um jardim secreto, escondido, encaixado entre gigantescos prédios. Vejo-te. Revejo-te. Sentada num gasto banco de madeira, observas-me com um vago sorriso.

Aproximo-me, sento-me ao teu lado, fixo um qualquer ponto no vazio. O silêncio instala-se, cortado a intervalos regulares pelo frio da noite e por algumas palavras sem significado. Para onde foi ele, esse significado, verdadeira essência de uma amálgama de emoções condensadas em tão transcendente sentimento? Ergue-se entre nós uma barreira invisível, feita de desilusão e mágoa, de receio e de dúvida. Não nos tocamos, não nos vemos, sequer nos sentimos. Receamos falar, por motivos diversos que fatalmente convergem num mesmo silêncio espectral.

Levanto-me. Olho em volta, contemplo este pequeno jardim de Inverno onde as pequenas flores da Primavera murcharam há muito. Contemplo o céu sem lua onde a Estrela da Manhã não brilha e jamais brilhará de novo. Sinto-me vazio por dentro, tão vazio quanto esta cidade a fervilhar de vida. Da tua vida. Este lugar não é mais o meu. Não mais me pertence. Entraste num novo mundo, do qual não te posso pedir que abdiques, mas que também nele não posso entrar. Não tenho lugar nele.

Nada foi dito, penso. Nada será dito. Esperas que eu o faça, sinto-o de algum modo. Mas não o posso fazer. Não sem que desses o primeiro passo, não sem que tentasses ordenar este caos de sensações intermitentes, igualmente nostálgicas e dolorosas. Não sem que algo mudasses neste momento, não sem que algo me provasses...

Mas nada muda. Olho-te por uma derradeira vez. Afasto-me em silêncio, esmagado por este vazio que me invade e ocupa. Sinto que me vês afastar-me. E, pela primeira vez, quedas-te imóvel, observas-me partir, até eu desaparecer. Por um segundo julgo que me segues, que vens comigo. Ou que não me deixas simplesmente partir, que me fazes ficar contigo agora, sempre... mas no segundo seguinte essa sensação desvanece-se na tua imobilidade envolta em névoas, assim como se desvanece toda esta vasta urbe atrás de mim, no turbilhão violento do espaço caótico que existe em lugar nenhum.

November 20, 2004

[through the memories, a vision]

[through the memories, a vision]



Foi como ver-me num espelho. À minha frente, o meu reflexo - interior, não exterior, como normalmente seria suposto. Cristalino, claro como gotas de orvalho. Todos os sonhos e pesadelos, todas as dúvidas e certezas, todos os desejos e medos - tudo, ali, nas palavras de um mero desconhecido que me conhece talvez melhor do que eu mesmo.

Está calor. Onde estou? Não sei ao certo. O solo escalda, torna-se incandescente a cada passo que dou. Até onde a vista alcança perscruto terra devastada em ebulição, em erupção, como se todo este mundo se movesse por força de um qualquer impulso ardente. Sinto esse impulso, violento como uma batida de coração a pulsar dentro de mim. Como se me reconhecesse.

Percebo então que já aqui estive. Faz tempo, muito tempo. Não me lembrava mais. Mas sinto-o dentro de mim. Recordo a sua essência, somente, percebendo que algo está diferente. Algo mudou.

Olho em volta. Este não mais é um mundo em criação, como era aquando da minha passagem por ele. Está destruído, fragmentado, talvez de forma irreversível. Foi abandonado, entrou em colapso. Cada explosão de fogo, cada tremor o aproxima do fim. Sinto tristeza por isso, de alguma forma. Mas não creio nada mais poder fazer por ele. Não sozinho. Não por minha iniciativa.

Quem o criou... não mais o quer. Ou não mais o parece querer. Porque hei-de eu lutar por ele..?

November 18, 2004

[sibil]

[sibil]



"Eu conheço-te, viajante", diz subitamente um velho, sentado na soleira de um prédio, envolto na penumbra daquela rua escura.

Paro, surpreendido, talvez tanto por alguém me abordar aqui, neste mundo, como por esse alguém dizer que me conhece - a mim, que nunca aqui estive antes.

"Desculpe?"

"Tens lume?", pergunta-me ele, retirando da algibeira retalhada um cigarro quebradiço, indiferente à minha surpresa.

Nada disse. Retirei o isqueiro do bolso e acendi-lhe o cigarro. Perda de tempo, pensei. Podia tê-lo feito apenas com um pequeno impulso de pensamento. Ele disse que me conhecia, afinal. Se assim é, deve decerto saber da minha condição de planeswalker. Mas não o fiz. Estendi-lhe a chama trémula, ele acendeu o cigarro com uma longa baforada. Sorriu.

"O que procuras não está aqui", tornou ele, no mesmo tom enigmático.

"Sabe o que procuro, então?", pergunto eu, desconfiado. Não compreendo. Entro neste mundo, nesta cidade. Tento dissimular-me, desaparecer na multidão, no aglomerado urbano que nos abafa e nos imerge na nossa individualidade num vasto e profundo mar de indiferença. Sinto-me só, mas quando não me senti eu só? E de repente um velho mais velho do que o Tempo aparece vindo do nada a olhar dentro de mim.

"Sei que vens de longe, de muito longe. Sei que deixaste um mundo imenso que tu próprio criaste porque ele não te completa. Porque sozinho não o consegues completar."

"Que quer isso dizer?"

"Quer dizer que tu andas há tempos e tempos a saltar de mundos em mundos quando o que tu procuras, na verdade, não é um lugar, mas uma pessoa. Que complete o teu mundo. O mundo que criaste para ti é perfeito por si só. "

Verdade, verdade, verdade. Sinto-me a levar bofetadas na cara. Sinto-me nu, quase. Impressionante.

"Confuso?", perguntou ele, sorrindo, dando grandes baforadas no cigarro.

"Digamos que sim."

"Está tudo aí, viajante. Nos teus olhos. Toda a tua demanda, todo o teu mundo, toda a tua mágoa, toda a tua confusão. Chamei-te de viajante. Talvez paladino tivesse sido mais adequado. Porque no fundo, esta tua viagem é uma demanda, uma cruzada. Se bem que pareça mais uma fuga."

"Uma fuga? De quê?"

"Não é essa a pergunta", respondeu ele, atirando a beata fumegante para o chão. "Sabes disso. Tu já encontraste o que procuras, há muito tempo atrás. Mas foges. Foges porque a tua mágoa mudou todo aquele mundo, e sentes não mais pertenceres a ele. Sentes que não tens mais lugar nele."

Fito por momentos a beata abandonada no chão. Sinto-me derrotado, vazio, frio por dentro, tão frio quanto a noite que me envolve e que já nem sinto. Todo o sentido num momento que faz sentido nenhum.

"E pertenço?", pergunto por fim.

"Não sei". Encolheu os ombros, riu-se. "Não posso saber tudo. As respostas, pelo menos, tens de ser tu a descobri-las. Ou a criá-las. Tens a capacidade para fazer o que quiseres. Apenas te posso dizer uma coisa: não é aqui que está o que procuras. Se está nas brumas ou na luz... não te sei dizer. Tens de ser tu a descobrir."

Não lhe respondo. Não aguento mais, simplesmente. Liberto a minha mente em angústia, desvaneço o meu corpo evanescente, deixo-me envolver pelo turbilhão ardente do nada entre mundos.

November 14, 2004

[sometimes, fear must be set aside - because sometimes, love is stronger than anything]

[sometimes, fear must be set aside - because sometimes, love is stronger than anything]



Sinto-me cansado. Cansado de deambular por mundos e mundos, procurando qualquer coisa que nem sei bem o quê. Cansado de a cada passo que dou tropeçar em fragmentos do meu passado que teimosamente insistem em ficar presentes, de forma evanescente e perturbadora. Cansado de regressar a este lugar, quando nada mais me resta. Cansado de fugir, nem sei bem de quê ou de quem.

Não mais.

Deixo por momentos a minha imaginação fluir livremente pela noite fria, sinto o meu corpo desvanecer-se, o cimo da torre de Nitramneadh diluir-se no caos de energias em turbilhão do espaço entre mundos. No segundo que se segue tudo é nada e o nada é tudo. Apenas o caos à minha volta. Até que também o caos se desvanece, revelando as brumas de um novo mundo.

Não é um novo mundo, afinal. Estou na floresta onde antes já estive. Tudo é luz à minha volta, como se as trevas tivessem perdido a luta. Não mais vejo o caminho que antes percorri. Estou no limiar de uma grande clareira. Um jardim. Ao centro, um pequeno riacho de cristal forma um lago de águas mansas e puras. Junto do lago, vejo-te a ti.

À tua volta, apenas luz. Como se dela fizesses parte - e talvez até faças. Contemplo-te por momentos da orla da floresta, vejo-te tranquilamente sentada na frágil ponte de madeira do lago. Fitas tudo e nada com o teu olhar meigo. Não me vês, não deixo que me vejas. Não ainda. Não enquanto souber que a minha sombra ainda me persegue. Mas aqui a minha fuga termina. Nunca foi uma opção - porque o há-de ser agora? Se paladino eu era, paladino voltarei a ser, pois que a espada e a armadura ainda estão comigo. E olhar para ti neste momento, Anjo de luz na terra, faz-me ter a certeza de que esta luta vale a pena.

November 11, 2004

[from here to nowhere - between space and time, fear is not an option - why am I running away?]

[from here to nowhere - between space and time, fear is not an option - why am I running away?]


E subitamente o meu corpo começou a desvanecer-se. Planeswalk. Viagem entre mundos, entre universos inteiros, algo que recentemente descobri em mim mas que sou incapaz de controlar. É controlada pela minha inconstante imaginação - tal como eu.

Vejo a gruta e as suas paredes rochosas desaparecerem lentamente, como se de névoas fossem feitas. O som da água em queda, da tua voz doce cantando uma canção de luz em trevas absolutas tornam-se em ecos distantes até não mais se conseguirem ouvir. O caos de energia em turbilhão do nada entre universos envolve-me por momentos na sua tempestade silenciosa, até que também ele se desvanece.

Negras nuvens de tempestade cobrem os céus, vomitando violentos relâmpagos que iluminam a noite e explodem contra o solo com violência e fragor. O som cavernoso dos trovões ecoa pela vasta planície desolada. Do nada emerge um dragão imenso, negro como breu, corcel alado de um paladino de trevas empunhando uma lança de luz demoníaca. Um exército destroçado debanda em todas as direcções, movido por puro medo, procurando um qualquer abrigo contra tão poderoso adversário. Apenas um guerreiro permanece, desafiando o paladino como se o conhecesse, como se o esperasse. Não me vêem. Combatem furiosamente, sob o olhar atento do imponente dragão.

Apenas a rapariga sente a minha presença. Não a vi, suspeito que esteja ali desde o início, observando a sangrenta batalha com um olhar triste, sem intervir. Fita-me agora, uma luz simultaneamente triste e ressentida trespassa-lhe os seus invulgares olhos azuis. "Já estiveste ali", sinto a sua voz meiga sussurar na minha mente. "Já combateste aquele demónio antes, lembras-te? Porque não lutas novamente? Porque não tornas a erguer a tua espada e voltas a combatê-lo com o fulgor de outrora?"

Observo a batalha uma derradeira vez. Não, não mais me posso envolver. Não assim, sozinho. Deixo-a continuar. Num esforço mental, faço todo este mundo desvanecer-se, perco-me nos céus furiosos até o caos do espaço entre mundos me engolir mais uma vez. Fujo. Da batalha, do olhar triste e acusador da rapariga, das minhas próprias dúvidas, dos meus próprios medos. Fujo, simplesmente. Este mundo não me pertence mais, se é que alguma vez me pertenceu. Solitário como sempre, vagueio pelo turbilhão do nada até dar por mim no cimo da imponente torre de obsidiana da cidade de Nitramneadh, no Submundo. No meu mundo. Suspiro. Apesar de ter criado este lugar, não sei se a ele pertenço. Mas por vezes penso que daqui nunca devia ter ousado sair.

November 08, 2004

[a dream through the dark sky]

[a dream through the dark sky]


"Olhei para o céu cristalino, vi uma estrela cadente cruzar a esfera celeste com a sua luz fulgurante. Pedi um desejo... sabes qual foi? Que tu me ames... que eu te ame... que fiquemos juntos para sempre, unidos nesse amor desenhado num céu de cristal. A ti, só a ti."

November 07, 2004

[shifting realities, a step between worlds - Past, Present and Future together in the same heartbeat - a song out of darkness?]

[shifting realities, a step between worlds - Past, Present and Future together in the same heartbeat - a song out of darkness?]

And then light went away. The verdant forest suddenly vanished in darkness. Silently, almost violently. Then I felt the pulse. Its pulse. Unaware, I felt my soul being taken out of my battered body and falling to the ground. It isn't gone, as I thought it'd be. As I wanted it to be. It is still here. I can feel its presence, still lurkin' around, still crawling in the dark, still haunting. Wanting me, still, I suppose. But it is too late for it.

Then I realised that I am no longer in the forest. Where I am now I can't say for sure. It was strange. For a moment I felt as if I was travelling between world once again, but I don't remember recalling. For a moment I stepped in a distant past and it became present once again, just as it used to be, just as I can remember it - sweet, joyful, friendly. Then it vanished and I woke up here.

But what's here?

I open my eyes but they're useless in the darkness that surrounds me. The ground beneath my feet is no longer soft but dark, as if made of stone. It seems I am in some kind of underground cave. How I came here I don't know. But a cold chill that comes from behind me tells me that I can't stay here for too long.

I start to walk through the rocky tunnel. Now I can hear a sound. Water falling, somewhere ahead. Is that light I can see in the end of the cave?

I reach the treshhold of the tunnel. A wide underground cave is now in front of me. A great waterfall bursts from somewhere above, shining in light it falls to the floor below. Where you are. Quiet, staring at the light above with your sweet eyes. Dreaming, perhaps. Waiting for something, for someone?

From your warm lips cames a sound. A song. Unaware of my presence behind you, you sing. You sing a song we both know, we both remember, for we heard it together a couple of times. Now you're there, alone, lost, singing the song of the day we met, the song that seems to frighten my ghosts and push away my fears.

"I tried so hard,
And got so far...
But in the end,
It doesn't even matter...

I had to fall,
To lose it all...
But in the end,
It doesn't even matter..."

(remember..?)

November 03, 2004

[Future's wake - for the choice is already made - "long is the way and hard that leads from hell up to heaven"]

[Future's wake - for the choice is already made - "long is the way and hard that out of hell leads up to light" (Milton, Paradise Lost)]


Um arrepio de frio percorre-me a espinha. Como se a floresta, o caótico cemitério, a água gélida que me envolve os pés, tivessem ganho vida, e me envolvessem no seu espírito. Como se as essências dos dois mundos que naquele espelho negro vejo reflectidas ali estivessem efectivamente presentes, ambas me contemplando, ambas me atraindo, ambas me rejeitando. Sinto-as. No que foram, no que são, no que podem ser - desde a luz primordial até às trevas do desconhecido.

Sinto a névoa suave que me acaricia e me envolve, para no segundo seguinte se desvanecer. Na água cristalina vejo revelar-se, entre a neblina, um objecto. Um artefacto. Apanho-o do solo gelado, quedo-me surpreso. Uma estrela-do-mar está nas minhas mãos. Vejo, triste, o que é, relembro o que foi, a luz radiante que emanava. Não mais. Do brilho fantástico de outrora resta um apagado lampejo, um tímido fulgor. Não volta, não mais creio que volte. Perdeu-se? Deixei-o perder-se? Não sei, não o saberei jamais. Ficou perdido nas brumas. Esconde-se por detrás da evanescente névoa, sem me deixar compreender se o escasso brilho que vejo agora é real ou apenas mais uma ilusão.

Coloco a estrelinha de novo na água. Deixo com ela uma lágrima tímida, que a acompanhe no seu caminho. Ergo a face, contemplo o desenho de luz que acima de mim ilumina a floresta sombria. Futuro. Oscila, tranquilo, ao sabor da fresca brisa que agora sompra, suave, doce. Sorrio. Caminho de luz e sombra afigura-se nos inúmeros candeeiros, um mundo desconhecido aguarda em expectativa. Sinto-o a nascer dentro de mim, a pulsar a cada batida de coração, a crescer. A tornar-se real, palpável. Vivo.

Ilusão, talvez? Não o sei, não o saberei jamais se não tomar o risco.

E subitamente tudo se desvanece à minha volta. A sombria floresta, as soturnas tumbas, a água gélida dá lugar a um caminho fofo, coberto de erva fresca e caruma. Altos pinheiros ladeiam o caminho. Trevas e luz cobrem ambos os lados do trilho, envolvendo as árvores milenares, de forma simultaneamente quente e fria. Um brilho iridescente revela-se em esplendor longe, ao fundo, os seus raios, alcançando-me, envolvendo-me, acariciando-me o rosto fatigado, reconfortando a minha alma cansada.

A escolha foi feita. Passei para o outro lado do espelho. Uma nova luta recomeçará, ao longo deste caminho que diante de mim se revela em fulgor. Não sei o que o Futuro me reserva. Não quero saber. Prefiro descobrir agora.

Contigo...


("There will be gains for our losses,
There will be rights for our wrongs")

November 01, 2004

[until the end]

[until the end]



"E de repente olhas em volta e apenas vês morte e destruição. Tudo arde, tudo jaz em destroços, ouves apenas gritos de guerra e explosões. Nada mais faz sentido para além da tua vida, na tua mente apenas consegues ter um pensamento: como sair do inferno em que te meteste. Sabes que estás sozinho, não importa quantas pessoas se aproximem de ti. Sabes que a tua vida depende somente de ti, e de mais ninguém. Mas isto é apenas um momento. No outro tudo faz sentido. Voltar para trás deixa de ser opção. Nada ficou para trás. Os teus companheiros morreram, e aqueles que ainda não caíram cairão brevemente. Este é um momento de lucidez em que tu vês mais além, mas só tu. Para todos os outros, o que tu vais fazer é loucura, pura e simples. Mas não te demoves. Sabes que nada tens a perder. E, com a mesma energia que pensavas que tinhas para fugir, ergues a tua arma e avanças. Corres para o teu objectivo, sozinho, numa cruzada até ao fim. Não desistes. Não mais sentes medo, dor, sofrimento. Lágrimas correm livremente pelo teu rosto, mas não por morreres - mas pela pena que tens de deixar a vida. Lutas furiosamente, até ao limite das tuas forças, até tudo parecer perdido - e mesmo aí, avanças. Nada mais te demove. Aspiras unicamente à liberdade - e, perdido no meio de uma guerra, sabes que não mais o teu corpo será livre. Apenas a tua mente, os teus sentimentos. E é por isso que lutas."


Narayan, Rogue Necromancer, As Crónicas do Submundo

October 31, 2004

[amidst the chaos, darkness - fallen dreams, storms of fire and stone - when will it end..?]

[amidst the chaos, darkness - fallen dreams, storms of fire and stone - when will it end..?]



Caminho pelos vastos campos verdejantes, tendo ninguém por companhia. Nem mesmo a minha sombra, eterna e agoirenta companheira, comigo permanece; o Sol há muito que se escondeu por detrás do espesso manto cinzento de ameaçadoras nuvens que, sem aviso, enegreceram os céus azuis que contemplava.

Que vejo eu, à minha volta? Terra sem fim, até onde a vista alcança. Uma imensa pradaria primaveril fechada naquele vale escondido entre os picos das titânicas montanhas que se impõem, delimitando o seu domínio, como uma fortaleza inexpugnável... Um vasto campo verde, viçoso, vivo, onde me encontrei, onde me senti renascer. Um espaço só meu, banhado pelo reconfortante Sol, onde o Tempo parecia não exercer qualquer poder.

O meu locus amoenus.

Agora oculto por as nuvens traiçoeiras que me roubaram a quente luminosidade, deixando-me apenas a luz opaca que através delas se propaga.

Que mais falta acontecer..?

Eis que nas altas nuvens se abre uma espiral, quase um portal para outro mundo, para outra dimensão... alegro-me por momentos: julgo que o meu Sol vai voltar, irrompendo por a massa nebulosa.

Mas não.

Uma chuva tem início. Não uma chuva natural, deixando cair milhões de gotas de água revitalizantes no solo; tem início uma chuva atroz. Pedras incandescentes surgem a grande velocidade por a espiral dos céus, caem como estrelas cadentes em todas as direcções. Uma a uma, atigem o solo com estrondo, com um estrondo que ouvir não consigo, pois que meus sentidos me abandonaram naquele momento angustiante. Quedo-me ali, solitário, a observar o outrora verdejante vale a ser devastado e queimado por aquela praga dos céus, castigo cruel de algum deus do submundo onde em tempos pertenci..?

Desejo que tudo aquilo acabasse. Desejo que tudo de um pesadelo não passasse, e que ao voltar a abrir os olhos visse tudo como estava antes. Em dor abro os olhos e vejo tudo arrasado pelo fragor daquela violenta tempestade de fogo vivo. Vejo tudo perdido, toda a beleza queimada, toda a felicidade destruída.

Sobrevivi. Como sempre. Mas nada à minha volta teve a minha sorte. Como sempre.

October 30, 2004

[ancestral recall, future's wake - am i red or blue?]

[ancestral recall, future's wake - am i red or blue?]


"if today I die
and can't deny
the poison chosen
for tonight..."


Ouço a música dentro de mim, ecoando pelo silêncio da noite. Caminho sozinho, pois que companhia há muito que não encontro. Noite. Está escuro, e eu na floresta de sombras e sonhos, perdido.


Sinto o pulsar do silêncio na pesada imobilidade da floresta. Não há vento que faça bulir as escuras folhas, não há luz que revele as verdadeiras cores deste mundo. Não as vi, ainda. Cheguei há pouco.


Não é este o meu mundo. Já nem sei bem qual é... a viagem entre mundos é já tão longa. Muitos criei-os eu mesmo. E deles fugi. Por medo, por cansaço, jamais pelo simples gosto de viajar. Nunca consegui permanecer muito tempo num mundo.


Este não o criei. Apenas fugi da minha última e mais esplendorosa criação. Vagueei, errante, pelo nada intemporal que separa universos até me aperceber desta alta floresta que nem sei bem de onde veio.


Quedo-me num vasto cemitério perdido entre as árvores, pedras tumulares que emergem, como os troncos, do solo coberto por uma fina camada de água cristalina e fria. Uma névoa espectral eleva-se deste lago, qual espíritos dos há muito mortos. Sinto-a, envolve-me lentamente como numa carícia, suave, meiga, sedutora. Faz-me recordar. Acima, pendurados nos ramos das árvores, milhares de pequenos candeeiros de fogo eterno iluminam as trevas da noite. Sinto a sua luz, aquece-me a face, reconforta-me a alma. Faz-me sonhar.


Agora sei.


Sei porque aqui vim. Sei porque percorri esta floresta encantada até chegar a este lugar. Não sei porque fugi do meu mundo - mas sei porque a sequência dessa fuga me trouxe aqui. Precisamente aqui.


Este mundo é o meu espelho. Perdi-me na floresta, achei-me neste santuário. Divido-me entre a névoa que está em baixo e a luz que está acima. A névoa é o espectro do mundo em que vivi, belo e sedutor, que amei como nenhum outro... e que perdi, mas que me parece querer de volta, sinto-o, por vezes, na sua inconstância, em que me agarra num segundo e no outro me rejeita... Os pequenos candeeiros de luz são a luz de um mundo que desconheço ainda mas que sinto que me chama, que me quer nele... um mundo mágico, com o qual sempre sonhei, mas que jamais pude conceber.


Contemplo ambos com um olhar vazio. Neste mundo onde me encontro não mais posso prosseguir; anvançar é um imperativo. Seguro firme na minha lança. A escolha está revelada, a luta impõe-se. Tanto para num mundo conhecido como na luz do desconhecido.


Não sei qual será o resultado. Sei apenas que nesta noite, só nesta noite, o futuro de ambos os mundos está nas minhas mãos.

October 27, 2004

[the Future is yours]

[the Future is yours]



"E se soubesses que o mundo acabava hoje, que farias diferente?"
"E se eu te dissesse que, por fazeres algo diferente, o mundo não acabaria hoje?"

"E se soubesses que o teu medo obliteraria todo um mundo, enfrentá-lo-ias?"
"E se eu te dissesse que, ao enfrentares o teu medo, todo um mundo renasceria..?"


"E se pudesses escolher um erro do teu passado e alterá-lo, o que mudarias?"
"E se eu te dissesse que, ao mudares esse erro, recuperarias tudo aquilo que perdeste..?"


"E se soubesses que, afinal, talvez não fosse tarde demais, que farias?"
"E se eu te dissesse que, não sendo ainda tarde demais, o rumo do passado ainda poderia ser alterado..?"


"E se tivesses de escolher entre a tua vida e a vida da pessoa que te ama, qual escolherias?"
"E se eu te dissesse que, ao escolheres a vida da pessoa que te ama, ela poder-se-ia tornar numa só... com a tua..?"

October 26, 2004

["One shall stand... one shall fall..."]

["One shall stand... one shall fall..."]




(...)

"Again?"

"Somethings never change, my dear."

"Yeah, I know that..."

"Surprised?"

"No. Of course it doesn't mean I was expecting it to happen. But it doesn't surprise me. I knew it could happen."

"I also knew it... guess I just didn't want to believe it was possible. Still I don't understand how it happened."

"How was it?"

"Strange. It was like the first time. Too much doubts. Too much fear. A fustrating feeling of confusion about what to do next. And pain. A little pain still lurkin' around..."

"And now? I thought you were, once again, waging war against yourself..."

"And I am. That's the funny thing. Now... I don't know. Imagine the picture: two enemies that oppose each other every time... two enemies figthing in the battlefield of the Present. Behind them, a Past of happiness and sorrow and war. Towards them, an unknown Future where everything might be possible... and between them, an angel. A radiant angel."

"I see... Can the angel interfere? I mean, can she help one of the sides of that war?"

"Perhaps. If she really wants to, perhaps she can. But I don't know if she's willing to."

"And what if you know that?"

He smiled.

"Perhaps that was the only help one of the sides really needs... to win this war..."

(...)

October 25, 2004

[dreams are made winding - a midsummer night dream]

[dreams are made winding - a midsummer night dream]



"Ena... viste aquilo?"

"Vi o quê?", perguntou, distraída.

"Aquela estrela cadente... explodiu no céu, num enorme clarão... lindo... nunca tinha visto nada assim..."

"Não vi...", respondeu, um pouco triste. "Pediste um desejo?"

Ele sorriu, olhou para ela com um olhar cúmplice.

"Pedi... estou a realizá-lo agora."

Ela sorriu, e nada disse. Não era necessário. Caminhavam de mãos dadas por um trilho de areia, nas falésias à beira mar, em direcção ao "lugar secreto" dele.

Chegaram por fim a um pequeno espaço plano entre rochas. Abaixo, apenas o vasto oceano, as suas ondas rebentando calmamente nos rochedos milenares. Acima, o céu limpo, iluminado por mil estrelas brilhantes. O seu "lugar secreto", onde de vez em quando ia sozinho, contemplar o mar, pensar, divagar, sonhar. Pela primeira vez ia acompanhado, não para sonhar, mas para concretizar um sonho.

Apagou a lanterna, estendeu uma manta no solo irregular. Sentaram-se ambos, muito juntos. Envolveu-a numa outra manta, e por momentos ficaram ali, sozinhos na noite, envolvidos no embalar da rebentação, em silêncio, a contemplar o céu.

A Lua. Nunca tinha visto uma Lua como aquela, iluminando com a sua luz pálida a noite, reflectindo-se no vasto espelho de água do calmo oceano. Nunca um momento lhes parecera tão perfeito, tão mágico como aquele, naquela noite calma em que estrelas cadentes riscavam os céus com luz, qual fogo-de-artifício da Natureza.

Beijaram-se apaixonadamente, envolvidos no mesmo abraço, no mesmo calor. Muito havia para dizer naquele momento, mas nada disso importava. Apenas o sentimento que partilhavam, tão mágico como aquela noite.

Olhou-a nos olhos.

"Nem acredito que estamos aqui... agora... é como um sonho, sabes..?"

Ela sorriu, passou a mão pelo seu rosto numa carícia meiga.

"Se é um sonho... não me deixes acordar... fica apenas aqui... comigo..."

Deu-lhe um beijo suave e doce. Sorriu, olhou-o nos olhos.

"Amo-te...", sussurrou-lhe ele ao ouvido.

"Também te amo... muito..."

(...)


October 24, 2004

[O Lado Negro - Parte IV - "Going Under"]

[O Lado Negro - Parte IV - "Going Under"]




"Passo o dedo pela ferida até o deixar coberto de sangue. Passo-o pela face, por baixo de ambos os olhos, deixando dois grossos e rubros riscos no meu rosto. Pinturas de guerra, do meu próprio sangue. Ergo a minha espada, aponto a lâmina ao paladino maldito e deixando o impulso devastador que me assolava tomar conta de mim, ataco-o impunemente."

Com uma força que nem eu percebi de que recônditas profundezas veio, ataco o sinistro cavaleiro com golpes violentos. Procuro não pensar; procuro não dar importância ao turbilhão que por dentro me devasta. Apenas atacar. Apenas lutar. Por tudo. Por nada.

Surpreendido, o espectro assume uma postura defensiva, esquivando-se ao meu ímpeto, desviando-se de alguns golpes, bloqueado outros. Consegue parar o meu último, e por momentos ficamos próximos uns dos outros, as nossas lâminas faiscando com a força com que se comprimiam uma contra a outra. Olhámo-nos olhos nos olhos com fúria e desprezo.

"Boa tentativa. Mas de que te servirá..?"

"É apenas o princípio..."

Sinto-me, ao pronunciar estas palavras, estranhamente confiante. Num ímpeto, empurro-o para trás, deixando-o sem defesa por breves instantes. Os instantes de que necessitava para lhe desferir um golpe violento no peito.

Sangue cobre-lhe agora a armadura, na zona do peito onde o atingi com força. Mas nem um esgar de dor esboça a negra criatura. Limita-se a rir. A rir baixinho.

"Julgas tu, Anjo Caído, que me podes derrotar assim? Feriste-me... e depois? Que dor me podem provocar os teus golpes, quando sou eu a tua dor? Que sofrimento me podes tu infligir enquanto em ti não acreditares, enquanto não tiveres verdadeira convicção de que tal podes fazer..?"

Esgazeado, vejo a ferida que lhe abri no peito fechar-se e sarar, como se nem lhe tivesse tocado. Dou um passo para trás, deixo cair a espada com estrondo. O choque é grande demais. Sinto o turbilhão reacender-se dentro de mim perante a cruel realidade que se me impõe e me esmaga. Crença. Crença em mim. A chave da minha vitória, a ausência da minha derrota.

Onde posso eu encontrar, essa crença em mim?

O negro paladino aponta-me a afiada lâmina, preparando-se para o golpe final. Fito-o. Sinto as forças a esvairem-se. Desvio o olhar, procuro nos negros céus de tempestade algum sinal de esperança, alguma luz...

Os meus olhos param subitamente quando se cruzam com o olhar cristalino da enigmática rapariga que, desde o início, imersa na sua própria luta que se não vê mas sente-se, me observa com uma expressão estranha que não consigo interpretar, um misto de compaixão e compreensão, talvez..? Na sua mão segura já com firmeza a sua espada... Olho-a amargurado, pensando em tudo o que ela representa, enquanto sinto a coruscante e mortífera lâmina do cavaleiro negro aproximar-se de mim...

October 22, 2004

Doce Nostalgia

[shards of the past - crossing the edge of the looking glass - leaving the past behind]



Escrevi este texto há muito tempo. Nem sei por que o escrevi eu naquela altura: simplesmente não fazia sentido. Não tinha contexto. Mas foi um pensamento sombrio que na minha mente irrompeu num momento de felicidade que eu materializei na altura... e que agora se concretizou.

Doce Nostalgia

Quanto tempo passou? Um minuto, uma hora..? Um dia, uma semana... um mês? Não sei. Não o sei. Perdi a noção do tempo. Do tempo que se desvaneceu durante aqueles momentos de inenarrável beleza. Do mesmo tempo que de forma alucinante a eles se sucedeu, enviando-os quase de imediato para as profundezas obscuras do passado, para as sombras do caminho sem retorno que para trás de mim fica ao longo do meu caminhar. Ao longo do nosso caminhar, que direcções opostas tomou. Por que nos não é permitido agarrar um momento? Por que se esvai o Presente e a sua magia das nossas vidas, como a água da fonte que em vão tentamos segurar nas nossas mãos frágeis, irregulares, calejadas pelas nossas constantes lutas..?

Nada mais resta para além da memória. Da doce memória de ti que no meu coração guardo, nesta hora solitária, juntamente com todo o imenso amor que não esqueci. Da angústia de ter perdido o que por momentos julguei ter conquistado após tantas lutas... por momentos... Recordo-te com saudade, a ti e a cada momento único que contigo passei... sinto ainda na minha pele a suavidade do teu toque, nos meus lábios o doce sabor dos teus beijos, dentro de mim o teu pulsar... sinto não o presente, mas o passado. O passado que vivi, que subitamente desapareceu nas brumas, que não mais volta... Qual é o sentido de tudo isso? O mesmo da vida. Nenhum. Nenhum para além daquele que lhe atribuímos... condenado estarei eu a viver com esta mágoa, com esta dor? Não sei. Da minha humildade, espero que Cronos e Afrodite de mim se compadeçam, e que apaguem a indelével dor desta memória que esquecer não queria jamais, tornando-a apenas em nostalgia... em doce nostalgia...

(31.05.2004)

October 20, 2004

["wake up, dead man! there's a life for you out there!"]

["wake up, dead man! there's a life for you out there..!"]



"... And definitely, you're wasting yours. Thought you've figured out that by now."


"And I did." A warm smile lighted his somehow sad face. "In a manner of speaking, of course."


"Kinda like that smile. It has been a while since the last time I saw a smile in your face. Fits you good."


"So I suppose. But you know... such things aren't easy..."


"I know that. When we fall, we try to be just fine, to raise our head and follow our path... and sometimes we are mistaking ourselves, believing that we forgot our past when it's still present in our mind and in our heart."


"Exactly. That's how illusions are made. We raise based in illusions... but those illusions never last long... and then we take the fall again."


"Why do I have the feeling that was what happened to you..?"


"Is that so easy to guess?"


"I know you well..."


"Hell, you do... whatever. No more illusions. Now I am on the edge of the looking glass, and I wanna walk through it. There's a brand new world for me on the other side... Once, I found it. I wanna do it again."


"That's the spirit. No more falls?"


"No more... I had enough. There's no point being here looking at a time that is gone for good, and that will never return... the Future is mine, and I hell if I will waste it."


"So, you're starting like Alice... tumbling down the rabbit hole... towards the unknown. That's the essence of life. Fear not. That's the way we go ahead. Remember Kierkegaard: "Life can only be understood if we look back; but it can only be lived looking ahead.""


"And I'm looking ahead, for I don't wanna stay behind... I won't stay behind... I wanna go through the looking glass. You know, if I was given a wish, I'd like to have the chance to chose a girl to love and to love me... I know just the girl..."


"But you will never be given such a wish..."


"I am aware of that. But I don't need that. Sooner or later it will happen. Sooner or later I will forgot all this... someone will make me forgot all this. I am just waiting. No hurries, no pressions. There's time. There's plenty of time..."


"That's the only thing you need, my angel. Time. The everlasting time. Everything else will come to you as it passes by..."


(...)

[torn apart by a sigle memory...]

[torn apart by a single memory...]




Sento-me à janela. Há muito que não o fazia, pelo menos desta forma. Acendo um cigarro, deixo uma sensação apaziguadora e melancólica tomar conta de mim.


Olho para o exterior. Está vento, mas não o sinto. Contemplo a noite nublada, vejo as nuvens de tonalidade indefinida sucederem-se no céu revoltado a uma velocidade estonteante. Devagar, deixo a melancolia tomar conta de mim, deixo cada nota da triste valsa que flutua na minha noite entrar dentro de mim.


Percebo tudo. Tudo aquilo que antes não percebi, não por não ser capaz de tal, mas porque, simplesmente, não quis perceber. Vejo tudo de novo... não um céu turbulento, inconstante, mas um fantástico céu estrelado... apago o cigarro devagar, vejo pequenas fagulhas cintilantes cortarem a noite, qual estrelas cadentes no firmamento...


Vejo-te. Como sempre te vi, como sempre te quis ver. Percebo que sinto a tua falta, mais do que alguma vez já senti. Percebo que estava enganado, que me andei a enganar neste tempo todo, que conscientemente me deixei invadir não por sentimentos reais mas por puras ilusões... percebo - finalmente! - as duas grandes verdades que tentei afastar da minha mente, e cuja inevitável presença me esmaga... que te amo, como sempre amei... e que te perdi... para sempre...


Vejo tudo. O sombrio demónio voltou mesmo, como profetizara, montado em seu dragão alado. Desafiou-me novamente. Mas não o enfrentei. Fugi. Tornei toda a anterior batalha inútil, desprovi-a de todo e qualquer sentido. Sucumbi a ele, quando disse que tal não aconteceria jamais. Deixei-me consumir pelos meus medos.


E paguei caro... bem caro, o preço dessa derrota.


Que me resta, agora, neste momento de arrebatadora dor? Memórias. Memórias do teu olhar cristalino, do teu sorriso meigo, dos teus lábios quentes, apaixonados. Saudades de ti, de te sentir comigo, de te saber comigo... mas não mais. Lembro-me daquela música... together, we were "the purest form of life..." but "our days are never coming back..."


Levanto-me. Deito fora o destroço de cigarro, desligo o som, fecho a janela. Mergulho o quarto na penumbra e no silêncio. Quedo-me só, mudo, destroçado. Que me resta..?


Não sei...

October 19, 2004

[O Lado Negro - Parte III - "Weak and Powerless"]

[O Lado Negro - Parte III - "Weak and Powerless"]


"A lança coruscante do negro paladino corta subitamente o gélido vento de Sul naquele que foi o primeiro ataque da minha guerra. Defendo-me. A lâmina afiada da sua lança embate violentamente na minha espada, lançando para a atmosfera os seus próprios relâmpagos.

A batalha por mim começou."


Com golpes violentos, o sombrio demónio ataca-me com inaudita fúria, procurando realizar o que dissera, procurando desarmar-me até à minha aniquilação.

Confuso, limito-me a defender-me de seus golpes, à esquerda e à direita. Sinto-me perdido, sem forças nem iniciativa para tentar eu mesmo um assalto. Como se não mais acreditasse na possiblidade da vitória, e me estivesse a defender sem objectivos nem crenças.

Os seus ataques tornam-se cada vez mais violentos, mais precisos. Sinto-me a fraquejar, sinto as forças a abandonarem-me à medida que a minha crença em mim e no meu mundo se dilui na noite escura.

Subitamente, num movimento imprevisível, a sua lança evita a minha manobra defensiva e atinge-me no braço desprotegido, sem armadura. Desviei-me, mas ainda assim senti a reluzente lâmina rasgar-me a pele. Sangue escorreu pelo meu corpo, caiu em gotas rubras para o chão poeirento.

O demónio sorriu malevolamente perante a visão do sangue.

"Disse-te que seria inútil."

Contemplando a ferida, quedo-me imóvel por instantes. Sinto dentro de mim um turbilhão de sentimentos, de emoções, a girar furiosamente no caos, a confundirem-me, a toldarem a minha visão.

Contemplo a rapariga que de longe me observa, com a mesma expressão nebulosa que a minha, completamente absorvida em si. Por momentos parece que a vejo erguer-se e segurar na sua espada, como se em meu socorro fosse.

Mas não. Foi apenas por momentos. A determinação esvaiu-se-lhe do rosto com o violento relâmpago que naquele instante cruzou os céus de tempestade. Permaneceu ali, com os seus lindos cabelos ao vento, de gládio na mão, a contemplar a batalha com um olhar vazio.

"Desiste agora, Anjo Caído, que ainda poderei ter piedade da tua alma."

Desvio o olhar da doce e misteriosa rapariga e enfrento com olhar fulminante o demónio que tais palavras proferira. Sinto um misto de raiva e desespero invadir-me o espírito. Um impulso para a destruição incendeia-me a alma.

"Não precisarei de tua piedade jamais, vil criatura. Feres-me o corpo com tua lança e a alma com a tua presença. Mas não me derrotaste ainda."

Procuro com estas inseguras e pouco convictas palavras encontrar dentro de mim um ponto de apoio, uma réstea de força que me segure no turbilhão que me assola, devastando-me por dentro.

Passo o dedo pela ferida até o deixar coberto de sangue. Passo-o pela face, por baixo de ambos os olhos, deixando dois grossos e rubros riscos no meu rosto. Pinturas de guerra, do meu próprio sangue. Ergo a minha espada, aponto a lâmina ao paladino maldito e deixando o impulso devastador que me assolava tomar conta de mim, ataco-o impunemente.

(...)

October 18, 2004

[O Lado Negro - Parte II - "Darkness... and Hope?"]

[O Lado Negro - Parte II - "Darkness... and Hope?"]


(...) "O teu tempo de ilusões ofuscantes e traiçoeiras chegou ao fim. Enfrenta agora a tua sombra, que mais não quer que aniquilar-te, ou com ela desce ao Inferno que tu próprio criaste."

Ouço o negro cavaleiro que pronuncia tais palavras e que me fita com um rubro olhar incandescente. Vejo-me nele. Compreendo agora quem ele é, o que ele é.

"Ardentemente desejei que, quando a minha derradeira hora chegasse, ela viesse por algo, demoníaco paladino, e não de algo. E eis que chegas tu, montado em imponente dragão alado que só nos meus mais tenebrosos pesadelos vislumbrei, empunhando a lança da minha fraqueza, querendo esmagar uma alma nos seus próprios medos. Concedes-me o meu desejo, então. Não tendo por quem lutar que não por mim, ergo a minha espada e combater-te-ei até que um de nós sucumba."

O sinistro demónio sorriu, o seu olhar brilhou com maior intensidade.

"Somente um louco se não renderia a tamanho poder. Desejarás ter-me dado a tua vida perante o sofrimento que te aguarda, Anjo Caído."

"Dar-te-ei a minha vida se assim tiver de ser, Criatura das Trevas. Mas dar-te-ei o Inferno antes disso."

Ergo a minha espada aos céus opacos iluminados por fulgurantes relâmpagos que na afiada lâmina se reflectem. Preparo-me para a luta, para a derradeira luta, em que nada mais resta que não eu e o maligno demónio que me desafia.

Foi quando a vi.

Solitária naquele campo de batalha desolador, não muito longe do local onde me encontrava, rodeada por destroços de batalhas esquecidas, uma jovem e invulgarmente bela rapariga com uma expressão intimidada observava o combate mortal que ali se preparava. Parecia pelo seu olhar triste e todavia fascinante que compreendia a luta que o anjo caído travava com o seu próprio demónio, mas mantinha-se à parte, perdida em dúvidas, aguardando algo que talvez nem ela própria soubesse bem o quê.

Contemplo-a à luz ofuscante dos relampâgos. Jamais alguém me pareceu tão radiante, tão bela, tão... Desejo que ela se junte a mim, que me ajuda a combater o meu demónio, o meu medo... mas parece imersa na sua própria guerra. Limita-se a ver. Será isso um sinal..?

A lança coruscante do negro paladino corta subitamente o gélido vento de Sul naquele que foi o primeiro ataque da minha guerra. Defendo-me. A lâmina afiada da sua lança embate violentamente na minha espada, lançando para a atmosfera os seus próprios relâmpagos.

A batalha por mim começou.

(...)

October 17, 2004

(untitled)

... porque hoje me sinto assim...



it's. oh. so quiet
it'a oh. so still
you're all alone
and so peaceful until...

you fall in love
zing boom
the sky up above
zing boom
is caving in
wow bam
you've never been so nuts about a guy

you wanna laugh you wanna cry
you cross your heart and hope to die
'til it's over and then
it's nice and quiet
but soon again
starts another big riot

you blow a fuse
zing boom
the devil cuts loose
zing boom
so what's the use
wow bam
of falling in love

it's. oh. so quiet
it's. oh. so still
you're all alone
and so peaceful until...

you ring the bell
bim bam
you shout and you yell
hi ho ho
you broke the spell
gee. this is swell you almost have a fit
this guy is "gorge" and i got hit
there's no mistake this is it

'til it's over and then
it's nice and quiet
but soon again
starts another big riot

you blow a fuse
zing boom
the devil cuts loose
zing boom
so what's the use
wow bam
of falling in love

the sky caves in
the devil cuts loose
you blow blow blow blow blow your fuse
when you've fallen in love

ssshhhhhh...

Boa noite!

(ao som de "It's oh so quiet", Björk)

October 16, 2004

[O Lado Negro - Parte I - "Fearsome Demon"]

Escrevi este texto há muito tempo atrás, num tempo muito particular da minha existência. Foi publicado no darkside, e, atrevo-me a dizer, foi o melhor artigo que jamais publiquei online. A história tem seis partes... hoje deixo-vos a primeira. Não que a situação actual seja de modo algum similar ao momento da concepção deste texto. Mas porque é sempre bom recordar...

[O Lado Negro - Parte I - "Fearsome Demon"]


Demónio.


Um negro demónio, envergando uma armadura de trevas, emerge das profundezas de revoltosos infernos e ergue-se com o seu dragão alado na noite gelada, cortando a sua melancolia com os seus gritos arrepiantes.


Um sombrio paladino armado com demoníaca lança sobrevoa com imponência e majestade o campo de batalha que abaixo de si se revolve com inaudito terror, sem armas para combater tão portentosa criatura.


Sem reacção, quedo-me imóvel perante tão prodigiosa visão, enquanto à minha volta todos os meus companheiros da batalha recentemente ganha debandam, procurando refúgio contra o mal que tal portador anuncia à sua passagem, à medida que se lança sobre aquela guerra interrompida.


Detém-se diante de mim. E eis que ficamos, eu, ele e o seu maléfico dragão, sozinhos frente a frente naquele ermo esquecido cortado pelos frios ventos do desconhecido Sul.


"Tenebroso cavaleiro de corcel alado, de que infernais profundezas vens, envolto em tão magoada dor, para me assaltares sem aviso nesta guerra que te não pertence?"


"Venho de lugar algum que não de ti, pois que sou feito de nada mais que as tuas mágoas, os teus medos, os teus ódios, Anjo Caído. Ergo-me das tuas profundezas sombrias para comigo te levar para as trevas, pois que outro caminho não escolhes tu. O teu tempo de ilusões ofuscantes e traiçoeiras chegou ao fim. Enfrenta agora a tua sombra, que mais não quer que aniquilar-te, ou com ela desce ao Inferno que tu próprio criaste."


2 de Maio de 2004