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July 20, 2005

Diário do Planeswalker

A única coisa que a sua visão turva podia perscrutar da cidade em estático movimento era similar a uma alucinação. Um mar de indivíduos sem rosto cobria as ruas de penumbra. Sem sombra. Sem alma. Não havia ali qualquer presença, qualquer forma velada de bem ou de mal. Apenas indiferença, corpos de carne e osso suados ao frio calor daquela hora incerta. Rostos indistintos, sem emoção, sem reflexo. E sempre, a persegui-lo, como a sombra que misteriosamente não projectava naquele mundo singular, a estranha sensação de quebra na sua imortalidade e no seu poder. Tudo aquilo que sabia lhe parecia difuso, insignificante. Menos a evidência que inevitavelmente traíra as suas expectativas: ela não estava ali.

July 19, 2005

Diário do Planeswalker

E eis que, de súbito, sente um desconforto a expandir-se dentro de si, a alastrar devagar por todo o seu ser, tomando de assalto a sua até então (quase) inabalável autoconfiança. O novo mundo aonde as divagações pelos fluxos de energia do cosmos o haviam conduzido impunha-se-lhe, agora, na sua vastidão de rubros rochedos nus, nos seus céus de breu sem estrelas, na sua ausência de uma fonte primordial de luz. Sentia as forças daquela natureza a convergirem, a darem-lhe forma. Mas não lhes podia tocar como outrora. Não as podia mover, manipular, moldar ao mero sabor do seu desejo e do seu poder latente. Algo na essência daquele mundo inóspito lhe era estranho, diferente. Nela não podia simplesmente entrar. Nela, não detinha qualquer poder - a ela, ao qualquer deus que a concebera, cabia todo o poder. Necessitava de um esforço, de uma concentração que nunca se preocupara em dominar porque nunca lhe fora necessária. O que, de imediato, lhe provocou uma torrente de dúvidas em desalinho, nas quais se erguia a simples questão - o que fazer para sair dali.

July 18, 2005

"Por que é que o homem não encontra a paz?" Porque o homem não quer. Assim como, paradoxalmente, não quer ver essa realidade tão evidente. O homem não é o ser pacífico, carinhoso, solidário e generoso que atribuímos àqueles que são "humanos". Ser humano é tudo isto. Mas mais, muito mais. É ser guerreiro, conflituoso. Ambicioso para com os seus superiores, sedento de domínio sobre os seus inferiores. Invejoso, ciumento, incapaz de partilhar duas palavras de conforto por vezes. O homem ama, mas odeia. Cura, mas fere. Dá vida, espalha a morte. Somos assim, uma antítese personificada que ao invés de se anular se materializa, aqui: nesta concha de pele e sangue e alma que nos dá forma e nos define.
(post inspirado por um artigo do blog da Deusa da Lua, cujo link aparentemente não funciona)

July 13, 2005

O amor não é material. Não depende de uma carteira, de um carro, de uma casa. De um emprego. De uma distância física que impede o toque, o beijo, mas que permite que os amantes, cada um na sua janela, possam ver a mesma lua, as mesmas estrelas. Depende de um olhar, de um gesto. De um sorriso discreto, de um rubor na face. De um suspiro apaixonado às ondas do mar, de um sussuro à brisa que passa na caruma dos pinheiros. De uma batida de coração mais forte quando se adivinham os amantes na próxima esquina, ou do outro lado da porta que em breve se abrirá de par em par. Depende de um sonho - que não existe mas que se sente, que não se mostra mas se impõe. Que ninguém vê, mas que é evidente. Não para quem vive no mundo material - mas apenas para aqueles que amam e sabem amar.

July 11, 2005

memories of Jane

A recordação de Jane é tão evanescente como uma memória *irreal* pode ser. O ar inocente, algo perdido na densa floresta humana, de que os seus olhos avelã eram reflexo contrastava quase agressivamente com a sua descontração perante a vida e o mundo que sabia inescapáveis. Nunca lhe soube a idade - nunca lho perguntei, e o jogo de opostos que a sua sofisticação de mente revelava a cada gesto, a cada palavra, nunca mo permitiu adivinhar. Sei que era de longe, de muito longe. Soubemo-nos na distância que nunca nos permitiu ver um ao outro pelos olhos do mundo real. Apenas no sonho, nos devaneios da imaginação que se esprai como um suspiro na brisa fresca da noite de Verão. Sorrimos com os lábios do pensamento, aos olhos da lua. Jamais a esqueci.

July 09, 2005

our days are never coming back

Recordo-me da última vez que te vi. Estavas no limiar da porta aberta que para sempre se fechava. Havia um muro de silêncio entre nós. Invisível, intangível. Olhei-te nos olhos pela última vez. Estavam apagados. A luz de estrelas que me fascinara desaparecera - morrera, talvez, num último suspiro, ou simplesmente desaparecera do (meu) céu. Senti os meus olhos a arder. Algo agonizava, morria, e eu sabia-o, sentia-o, e nada podia fazer. Os teus olhos estavam apagados.