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February 09, 2005

[fogo]

[fogo]


Fogo irrompe, subitamente, sem aviso, pela verde floresta, consumindo vegetação rasteira, devastando a flora à sua violenta passagem, impelido por um vento malévolo, enganadoramente frio. Espirais de fumo ascendem aos céus, transformando o azul cristalino de uma manhã de Verão nas cinzas de um mundo a ser destruído, não pelo fogo ateado, mas pelas intenções flamejantes de quem o provoca. O Sol, o próprio Sol, do mais escaldante fogo feito, sucumbe às cinzas da alvorada, esconde-se num disco rubro que não mais brilha.

Relâmpago violento das nuvens cuspido com fulgor e violência que transforma a noite em dia num segundo evanescente que parece uma eternidade aos nossos olhos e que contra o solo explode com inaudita feracidade, explosão ardente da boca de algum vulcão adormecido que se lembra de acordar e fazer a terra tremer, seja com o seu bocejo sonolento ou com o seu mau humor ao despertar, nem sempre o fogo, este fogo que contemplo, incandescente, na ponta do cigarro que lentamente arde na solidão desta noite, deste terraço com vista para a cidade dormente a esta hora tardia, significa destruição, ou jamais teria Fénix renascido das cinzas em chamas fulgurantes e ascendido aos céus.


Não sendo necessariamente o fim, é igualmente, num paradoxo perfeito que nunca se anula, o início do acto de criação. A própria terra renasce, verde e viçosa, à passagem das chamas que no segundo anterior as despojam de toda a vida. Ilhas crescem ao sabor das erupções cujas lavas ardentes roubam espaço ao mar infinito. A mais violenta tempestade acalma-se, dispersa-se após libertar o inicial impulso furioso, e dá lugar ao dia brilhante que o Sol permite. E que é o Sol senão o astro da vida, a luz que permite a existência de tudo quanto se conhece neste mundo que à volta da sua esfera de fogo orbita inexoravelmente..?

Símbolo da vitória e da persistência que não se apaga jamais, da fé que junto aos deuses do presente e do passado arde em moldes de cera derretida, como se saído directamente da forja ancestral de Hephaestus ou do martelo guerreiro do poderoso Thor, fogo é fé transcendente que se sobrepõe ao tempo e ao espaço, que atravessa mundos, que une desconhecidos em torno de uma mesma certeza da qual não têm prova empírica mas que sentem que arde algures.

Impulso criador que não se vê mas que sinto pulsar dentro de mim, chama imaginativa que num impulso cria mundos imensos, tão vastos quanto a minha imaginação ardente o permitir, também em mim arde esse fogo antagónico, símbolo da vida e da morte. A ele retornarei, eu, que dele nasci, num momento de paixão concretizada que nos tempos e na memória se perde. Não o recordo, que o não vivi. Mas sinto-o. Sinto-o quando a tua imagem radiante na minha mente surge, sem aviso nem permissão, uma intrusão que não quero tolerar mas que no fundo desejo... Sinto-o quando te vejo, quando os nossos olhos se cruzam e o Tempo se desvanece na magia do momento... sinto-o quando estás comigo, quando o teu toque suave me arrepia, faz vibrar todo o meu ser, desperta este ardor dentro de mim... sinto-o nos momentos de consumada paixão em que tudo deixa de ter sentido, em que espaço e tempo se volatilizam nas chamas que deste sentimento irrompem numa batida de coração, obliterando à sua passagem todo este mundo fantástico que juntos concebemos... fogo é paixão, amor etéreo e fulgurante materializado em mim, em ti, em nós, suspirando com saudade na distância que nos separa, consumindo-nos furiosamente em desejo ardente quando estamos juntos em que nada mais importa para além deste sentimento, para além deste fogo que dentro de nós arde...

Nada disto é real, talvez. Só o fogo, o eterno fogo que dentro e fora de mim arde, agora e sempre, o mesmo fogo que vejo desvanecer-se lentamente em fumo à medida que o cigarro se apaga, deixando-me envolto em escuridão e sonhos.

(última imagem de Boris Vallejo; as restantes, de autores desconhecidos)

Escrevi este texto no âmbito de um trabalho para a minha cadeira de português... escolhi a palavra fogo. Não pensei em ninguém no momento em que o escrevi; agora que o publico, dedico-o a quem primeiro o leu - Susaninha, grande amiga, companheira de longas conversas e de filosofias. Um grande beijo*

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