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April 06, 2005

Through the Gates of Hell VII - Fallen Love

[Through the Gates of Hell VII - Fallen Love]




"Que estás tu aqui a fazer?"

As palavras, algo surpreendidas, algo frustradas, no seu tom estranhamente familiar, fazem-me parar. Detenho-me diante dos portões do Inferno que finalmente encontrei, olho nos olhos de quem as proferiu. Espanto invade todo o meu ser. Deuses, como são parecidas..! O mesmo olhar enigmático e triste, banhado em azul, o primeiro azul que neste mundo maldito vejo... mas não, não pode ser ela.

Nunca poderia ela ter-se tornado na guardiã do Inferno, numa das marionetas da morte. Nunca poderia o seu corpo alvo, esbelto e frágil envergar aquela armadura negra, ou as suas mãos delicadas segurar tamanha espada envenenada. Nunca poderia o seu sorriso de cristal tornar-se naquele esgar amargurado que vejo no seu rosto soturno.

"Estou a sair, apenas", respondo secamente, procurando que a guardiã não perceba quão familiar é a sua face aos meus olhos, ou como me lembra ela alguém que perdi no dia em que este mundo de fogo incinerou o meu paraíso... "Este não é o meu lugar... Vou partir."

"Não, não vais."

"E porque não?"

"Porque nunca tal permitirei."

O seu olhar azul endurece, enche-se de um ódio que eu nunca vira antes. Compreendo que ela fala a sério, e que pretende mesmo não me deixar passar. Levo a mão à minha própria espada, mas não a desembainho. "Que raio queres tu dizer, Guardiã? Porquê isto tudo?"

"Não podemos deixar-te partir", diz ela, com uma ponta de emoção na voz que a sua frieza não consegue disfarçar. "És demasiado importante para nós."

"Para nós?", pergunto, aproximando-me dela para a olhar nos seus olhos mais de perto. "Queres dizer para o Inferno? Ou será porventura apenas para ti, Guardiã?"

Engolindo em seco, ela desembainha a sua espada e encosta o gume afiado à minha garganta. "Não irás."

"Porquê? Não achas que já aqui estive demasiado tempo? Não achas que já sofri demasiado neste inferno? Não te passa pela cabeça aquilo por que passei até chegar aqui!"

"E tu", diz ela, quase cuspindo as palavras com fúria, "terás tu alguma ideia de como vim eu aqui parar? De como me tornei eu nisto..? Acaso terás tu alguma noção daquilo por que terei passado neste tempo todo?"

Então é mesmo ela..! Deuses, não, como pode ser? Como pode tão radiante criatura ter-se tornado neste... demónio? Ou seria esta a sua verdadeira forma, que os meos olhos cegos se recusaram a ver durante todo o tempo? Não, não posso acreditar... não pode ser...

"Que... que aconteceu?"

A sua boca abre-se como se fosse dizer algo, mas nenhum som sai por entre os seus lábios sensuais. "Não... não quero falar disso", diz, por fim, a custo. "Isto não é sobre mim, mas sobre ti."

"Seja", digo eu, decidido. "Não será então um problema meu. Agora baixa a tua espada, Guardiã. Eu vou partir, de uma forma ou de outra. Se insistires nesta insanidade, terás de me matar, o que não serviria de todo os teus sinistros interesses. Mas eu - eu estaria livre."

(continua)

(imagem por Luis Royo)

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