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September 28, 2004

Sublime

Rebirth
"Once, when I was young and true,
Someone left me sad -
Broke my brittle heart in two
And that is very bad"

Dorothy Parker

Hoje vou contar-vos uma pequena história. É a história de um jovem rapaz, estudante do Ensino Secundário. Um rapaz como tantos outros, perfeitamente normal - com as suas rotinas, os seus hobbies, as suas filosofias.

Com as suas paixões.

Esse rapaz amava muito alguém. Uma rapariga. Com uns lindos olhos azuis. Simpática, alegre, daquelas que sabem ser umas amigas excepcionais, sempre presentes, sempre preocupadas. Tinha namorado. Mas, como a vida, sobretudo a vida de adolescente, é tudo menos estanque, apaixonou-se por este rapaz. Acabou tudo por ser uma questão de tempo, como sempre o é nestas situações. Dois dias depois de S. Valentim aconteceu o que já toda a gente esperava. Para ele, a primeira. Para ela não, mas, se bem o vermos, que tem afinal o Passado a ver com o Amor..?

Estiveram juntos durante quase dois anos. Não pensem que foi uma relação fácil: ele e ela eram pessoas consideravelmente diferentes. Digamos que tinham os seus mundos próprios, com uma fronteira demasiadamente demarcada. Terminaram a relação algumas vezes, estiveram na ruptura iminente outras tantas. Mas amaram-se, diga-se o que se disser. Partilharam segredos, palavras doces, experiências. Conheceram-se, e conhecem-se muito bem no presente.

Mas tudo o que tem um início tem um fim. E o fim deles veio no Outono. Após guerras constantes, tudo implodiu violentamente. Não quando acabou, mas depois de ter acabado. Deixaram de falar, odiaram-se, desprezaram-se, acusaram-se. O mundo que era de ambos tomou proporções que nenhum deles pensou serem possíveis, tendo os seus estilhaços apanhado terceiras pessoas que nada tinham a ver com a sua guerra privada.

Cometeu muitos erros, o rapaz. Estava magoado nos seus sentimentos, ferido no seu orgulho. Julgava que tinha perdido muito, que tudo aquilo tinha sido em vão. Deixou-se consumir por uma negatividade imensa, que quase o afogou.

Quase.

Descobriu, então, o rapaz, uma outra paixão. Não material, menos ainda espiritual. Algo puramente etéreo, puro, inalienável: o sonho. Transpôs o seu sonho em palavras escritas a tinta vermelha em folhas pautadas A-4, deslumbrou alguns amigos - poucos, mas os essenciais. Descobriu a escrita, no verdadeiro significado não só da palavra mas também do acto.

Construiu um imenso processo que o seu "mestre" Freud rapidamente denominaria por sublimação. Transpôs a sua negatividade nas palavras, e mundos imensos abriram-se em esplendor perante os seus olhos.

Dois anos passaram desde esse momento, que foi a verdadeira mudança na sua vida. Que faz esse rapaz hoje? Escreve os seus sonhos e abre-os ao mundo inteiro na Internet, no seu blog. Não se tornou numa outra pessoa, que a nossa essência é, acredito, imutável. Simplesmente evoluiu. Aprendeu com a experiência, a nossa melhor conselheira. Cresceu. Entretanto, outras vivências por ele passaram, e sempre delas tirou ele alguma lição.

Aquilo que esse rapaz, que neste momento estão vocês a ler, vive hoje, é muito idêntico àquilo que viveu há dois anos atrás. Ironicamente idêntico, admitamos. Mas há uma diferença: a experiência. Não mais se afunda ele. Já viu esse caminho, e sabe que não é essa a direcção que quer ou deve tomar. Por isso não se deixa usar pela negatividade; ao invés, usa a negatividade em seu favor. Sublima-a. Converte-a em energia, que emprega na criação. É a velha máxima: "o que nos não mata, torna-nos mais fortes."

Não está a passar um mau bocado, o rapaz. Não está a sofrer. Não mais. Dorothy Parker, que acima citei, tem razão. É mau, o sofrimento. É mau quando alguém nos parte o coração em mil pedaços, sem jamais se preocupar em juntá-los de novo. Dói. Custa. Faz-nos sofrer. Mas que é o coração? É, aos meus olhos, como um jogo de Lego - sim, eu sei, é uma visão simplista da questão. Mas faz sentido: durante muito tempo encaixamos as diferentes peças, procurando construir algo. Mas por algum motivo tudo se desmonta. Desiste-se? Não; torna-se a brincar, deixa-se a imaginação fluir e parte-se na construção de algo novo, diferente da ideia antiga. É isso que faz esse rapaz neste momento. Une peças. Dá forma. Constrói. Não desiste, não se afunda; procura, sim, construir algo de novo, subir mais alto, alcançar o seu sonho. Porque, se há coisa que ele aprendeu de uma vez para sempre, foi a sonhar.

João Campos ("Ash")

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