[sibil]
"Eu conheço-te, viajante", diz subitamente um velho, sentado na soleira de um prédio, envolto na penumbra daquela rua escura.
Paro, surpreendido, talvez tanto por alguém me abordar aqui, neste mundo, como por esse alguém dizer que me conhece - a mim, que nunca aqui estive antes.
"Desculpe?"
"Tens lume?", pergunta-me ele, retirando da algibeira retalhada um cigarro quebradiço, indiferente à minha surpresa.
Nada disse. Retirei o isqueiro do bolso e acendi-lhe o cigarro. Perda de tempo, pensei. Podia tê-lo feito apenas com um pequeno impulso de pensamento. Ele disse que me conhecia, afinal. Se assim é, deve decerto saber da minha condição de planeswalker. Mas não o fiz. Estendi-lhe a chama trémula, ele acendeu o cigarro com uma longa baforada. Sorriu.
"O que procuras não está aqui", tornou ele, no mesmo tom enigmático.
"Sabe o que procuro, então?", pergunto eu, desconfiado. Não compreendo. Entro neste mundo, nesta cidade. Tento dissimular-me, desaparecer na multidão, no aglomerado urbano que nos abafa e nos imerge na nossa individualidade num vasto e profundo mar de indiferença. Sinto-me só, mas quando não me senti eu só? E de repente um velho mais velho do que o Tempo aparece vindo do nada a olhar dentro de mim.
"Sei que vens de longe, de muito longe. Sei que deixaste um mundo imenso que tu próprio criaste porque ele não te completa. Porque sozinho não o consegues completar."
"Que quer isso dizer?"
"Quer dizer que tu andas há tempos e tempos a saltar de mundos em mundos quando o que tu procuras, na verdade, não é um lugar, mas uma pessoa. Que complete o teu mundo. O mundo que criaste para ti é perfeito por si só. "
Verdade, verdade, verdade. Sinto-me a levar bofetadas na cara. Sinto-me nu, quase. Impressionante.
"Confuso?", perguntou ele, sorrindo, dando grandes baforadas no cigarro.
"Digamos que sim."
"Está tudo aí, viajante. Nos teus olhos. Toda a tua demanda, todo o teu mundo, toda a tua mágoa, toda a tua confusão. Chamei-te de viajante. Talvez paladino tivesse sido mais adequado. Porque no fundo, esta tua viagem é uma demanda, uma cruzada. Se bem que pareça mais uma fuga."
"Uma fuga? De quê?"
"Não é essa a pergunta", respondeu ele, atirando a beata fumegante para o chão. "Sabes disso. Tu já encontraste o que procuras, há muito tempo atrás. Mas foges. Foges porque a tua mágoa mudou todo aquele mundo, e sentes não mais pertenceres a ele. Sentes que não tens mais lugar nele."
Fito por momentos a beata abandonada no chão. Sinto-me derrotado, vazio, frio por dentro, tão frio quanto a noite que me envolve e que já nem sinto. Todo o sentido num momento que faz sentido nenhum.
"E pertenço?", pergunto por fim.
"Não sei". Encolheu os ombros, riu-se. "Não posso saber tudo. As respostas, pelo menos, tens de ser tu a descobri-las. Ou a criá-las. Tens a capacidade para fazer o que quiseres. Apenas te posso dizer uma coisa: não é aqui que está o que procuras. Se está nas brumas ou na luz... não te sei dizer. Tens de ser tu a descobrir."
Não lhe respondo. Não aguento mais, simplesmente. Liberto a minha mente em angústia, desvaneço o meu corpo evanescente, deixo-me envolver pelo turbilhão ardente do nada entre mundos.
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