[the scream behind the mirror - a soul given to the god of time in the altar of sacrifice]
"Olá, planeswalker".
Aqui? Que raios faz alguém neste ermo? Volto-me. Vejo-a. Ela sorri-me.
"És verdadeira?", pergunto bruscamente, mal olhando para as suas volumptuosas formas sombrias, as suas asas de plumagens negras, o seu olhar atrevido e sensual.
"Depende do que consideras verdadeiro. Depois do que tudo aquilo que já experienciaste, ainda acreditas na verdade enquanto conceito absoluto?"
Não respondo. Continuo a fitar o mar sem fim que à minha frente se estende até ao infinito em todo o seu esplendor de azul profundo desta falésia povoada de fantasmas. Fantasmas que vejo sem sentir, que sinto sem ver, que não sei se me vêem, sequer se me sentem. Nada aqui é real.
Talvez nem eu.
Aproxima-se de mim e senta-se ao meu lado, os seus pés, como os meus, balouçando na escarpa de rocha ancestral. Por momentos ficamos os dois imóveis, em silêncio, aspirando o ar de liberdade que me oprime, e que parece oprimi-la a ela também.
"Qual é a sensação?", pergunta ela, quebrando o silêncio que se instalara.
"Que sensação?"
"De te sentires vazio."
Olho para ela, surpreendido. Não, outra vez, não.
"E que sabes tu sobre isso?"
"Não sei. Sinto."
Boa resposta, penso. "É... estranho. Não é como se me tivessem arrancado um bocado... é mais do que isso. Não dói, mas é como se doesse. Não te sei explicar. É estranho."
Ela sorri, cúmplice, como se partilhasse as minhas emoções. Então repara no pequeno cristal incandescente que trago pendurado ao pescoço.
"E isso, que é?", pergunta, apontando para ele.
"Um mundo", respondo, quase automaticamente. "Um mundo que criei com alguém e que com alguém destruí. O que resta dele está aqui."
"E não será isso que te falta para não te sentires vazio?"
Sorrio com a pergunta. "Não. Isto", digo, segurando no cristal e olhando para ele, "não me pertence. Pertence a alguém. Não me perguntes a quem, que não te saberei responder. Simplesmente sei que a tenho de encontrar. Ou ela a mim."
"E sabes onde procurar?"
Olho para o mar infinito, sonhador, esquecendo por momentos os fantasmas que vagueiam naquele ermo esquecido. "Não interessa quando. Tempo. Estou nas mãos dele. Estamos nas mãos dele. Tudo o resto... simplesmente não interessa."
Viro-me para ela, encaro-a. É-me familiar, o seu belo rosto de anjo negro, se bem que ao mesmo tempo completamente desconhecido. "Quem és?"
Ela levanta-se, ficando suspensa à beira do precipício. "No fundo, Anjo Caído... não somos assim tão diferentes quanto julgas. Sabes que já me viste antes, mas não sabes onde. Nem quando. Saberás... espero. Não és o único a estar nas mãos do deus do tempo. Eu também me sacrifiquei a ele."
Sorri-me uma última vez, antes de tornar o seu atraente corpo etéreo e se desvanecer para o vazio, para o infinito entre mundos.
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