(Hoje não irei fazer reflexões metafóricas, divagações, devaneios (ou não?). Deixo-vos um excerto escrito por mim, de uma ideia que já cá andava há algum tempo, e que comecei a materializar. Estes são os primeiros parágrafos? espero que gostem...)
[Sofia]
"Não sei porque parece incomodar tanto as pessoas a solidão, o silêncio. Há anos que penso nisto, e nunca consegui chegar a nenhuma conclusão que à minha compreensão se afigure como minimamente válida. Será por a sucessão dos dias no inexorável decurso do tempo ter, ou aparentar ter, um ritmo absolutamente vertiginoso? Há algo de estranho em tudo isto. Vivo num mundo de multidão em inerte movimento, inconstante, indiferente a si mesmo e à sua própria existência. Não há consciência, não há interacção no seio da massa. Nela, estamos todos juntos, mas todos invariavelmente sozinhos; qual é a diferença, então, que faz toda a gente olhar para mim com uma expressão que reflecte uma pluralidade de sentimentos, que oscilam entre os desprezo, a pena, a estranheza, quando me sento só, na mesa de um qualquer canto do bar da escola, a fumar um cigarro e a desvanecer a minha imaginação no ténue fumo que a baforadas regulares sai da sua ponta incandescente?
Não correspondo ao padrão, bem o sei. Devo, aos olhos do mundo em permanente agitação irreflectida, sem rumo ou destino, assemelhar-me a uma proscrita, talvez. Não está longe da verdade; desde cedo que me habituei a estar sozinha, a conviver comigo na minha solidão, na minha imaginação. Nada de intencional, de premeditado; proporcionou-se assim, simplesmente. Não tendo uma família na tradicional significação do termo - que é como quem diz, um grupo de parentes unidos, sempre presentes ainda que distantes, que se juntam nas festas, convivem, preocupam-se -, tive de aprender a lidar com isto em criança.
Sempre fui introvertida por natureza; e esta propensão do meu espírito acabou por, ao longo dos anos, me afastar do mundo de brincadeira e camaradagem dos meus colega de escola. Não por não simpatizar com eles, bem pelo contrário. Simplesmente era bem mais fácil para mim perder-me nos meus devaneios, fitando o recreio com um olhar exterior vazio que na sua essência contemplava uma vastidão de mundos fantásticos que mal conseguia conceber. Não conseguia dar o primeiro passo para me aproximar de alguém, meter conversa, brincar, rir. E, entre crianças, quem procura puxar para si alguém que está fora porque quer - ou porque não quer -, ainda que isso não corresponda bem à realidade? Não se pode exigir isso de crianças em idade escolar, num ciclo tão singular do desenvolvimento. E, quando se entra na adolescência, a situação evolui. Para pior. Se em criança não me identificava com as brincadeiras de bola e outras mais ou menos agressivas dos rapazes, nem com o mundo elementar das brincadeiras de bonecas das raparigas - que, diga-se de passagem, consistem em formar famílias, criar pseudo-relações à imagem dos papás e das mamãs, ter filhotes, uma casinha engraçada; a coisa, diga-se de passagem, não vai muito mais além - também agora, que sou adolescente, não me identifico com os temas de conversa que permitem a integração num grupo e que me abririam as portas ao mundo da companhia, do convívio - em suma, do mundo não solitário. Tudo me parece tão sem importância, tão... fútil? Não sou melhor nem pior do que ninguém; serei, quanto muito diferente. Mas desde quando ser diferente tem forçosamente de ser mau?"
Não correspondo ao padrão, bem o sei. Devo, aos olhos do mundo em permanente agitação irreflectida, sem rumo ou destino, assemelhar-me a uma proscrita, talvez. Não está longe da verdade; desde cedo que me habituei a estar sozinha, a conviver comigo na minha solidão, na minha imaginação. Nada de intencional, de premeditado; proporcionou-se assim, simplesmente. Não tendo uma família na tradicional significação do termo - que é como quem diz, um grupo de parentes unidos, sempre presentes ainda que distantes, que se juntam nas festas, convivem, preocupam-se -, tive de aprender a lidar com isto em criança.
Sempre fui introvertida por natureza; e esta propensão do meu espírito acabou por, ao longo dos anos, me afastar do mundo de brincadeira e camaradagem dos meus colega de escola. Não por não simpatizar com eles, bem pelo contrário. Simplesmente era bem mais fácil para mim perder-me nos meus devaneios, fitando o recreio com um olhar exterior vazio que na sua essência contemplava uma vastidão de mundos fantásticos que mal conseguia conceber. Não conseguia dar o primeiro passo para me aproximar de alguém, meter conversa, brincar, rir. E, entre crianças, quem procura puxar para si alguém que está fora porque quer - ou porque não quer -, ainda que isso não corresponda bem à realidade? Não se pode exigir isso de crianças em idade escolar, num ciclo tão singular do desenvolvimento. E, quando se entra na adolescência, a situação evolui. Para pior. Se em criança não me identificava com as brincadeiras de bola e outras mais ou menos agressivas dos rapazes, nem com o mundo elementar das brincadeiras de bonecas das raparigas - que, diga-se de passagem, consistem em formar famílias, criar pseudo-relações à imagem dos papás e das mamãs, ter filhotes, uma casinha engraçada; a coisa, diga-se de passagem, não vai muito mais além - também agora, que sou adolescente, não me identifico com os temas de conversa que permitem a integração num grupo e que me abririam as portas ao mundo da companhia, do convívio - em suma, do mundo não solitário. Tudo me parece tão sem importância, tão... fútil? Não sou melhor nem pior do que ninguém; serei, quanto muito diferente. Mas desde quando ser diferente tem forçosamente de ser mau?"
(...)
(Joao Campos, Sofia)
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