[black and white - the mirror of the nothing place]
tic... tac...
Algo que se mova no vazio de forma incrivelmente rápida parece aos olhos do observador estar parado.Não estou no vazio, sequer me movo, aliás; mas os ponteiros do relógio de luto, única decoração da vasta parede branca, há muito que parecem não se mover. Há muito que perderam o sentido.
tic... tac...
A luz esconde trevas nas sombras, projectando-as quando encontra obstáculo em relevo. Não há sombras, aqui. Ou luz. Ou formas em relevo. Há nada, que é tudo. Há vida, que há muito morreu. Há morte, que teimosamente renasceu.
tic... tac...
O eco reverberante dos ponteiros estáticos flutua no vazio em ondas regulares, marca o compasso mórbido deste lugar inerte, desta prisão invisível que não posso sentir. Ah, saudades dos dias em que te senti entre os dedos, traiçoeira lâmina..!
tic... tac...
No eco esconde-se uma vida, desvanecida, perdida, quase esquecida. Pequenas notas graves e agudas de lamentos magoados, de risos de alegria, de gargalhadas divertidas, de suspiros apaixonados velam-se no som do pêndulo secreto, invadem a minha mente fragmentada, estilhaçada, irrompem numa míriade de imagens no vazio da minha memória.
tic... tac...
A tua silhueta sensual surge diante os meus olhos fechados, envolta num halo de luz difusa. Não estás aqui, sei-o bem. Não mais. Ainda assim posso ver-te a caminhar para mim ao ritmo do relógio sem tempo. Como uma miragem.
tic... tac...
Sinto-te no eco que o vazio grita. Sinto ainda a pulsação quente do teu peito junto do meu, o aroma suave do teu perfume no ar que aqui não existe. Sinto ainda a dor da queda, as feridas abertas, as cordas de raiva imobilizando os meus pulsos e afastando-me inexoravelmente de ti. Sinto tudo isto indistintamente, insensivelmente, enquanto grossas lágrimas de sangue escorrem dos meus olhos eternamente secos e áridos.
tic... tac...
Qual a diferença entre amor e ódio..?
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